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Tortura no cárcere: negligência ou situação legitimada?

A Pastoral Carcerária divulgou um documento no último fim de semana acusando o Poder Judiciário de se omitir ao não apurar, punir e evitar casos de tortura dentro do sistema carcerário, tema que a Sputnik Brasil debateu com Gabrielle Nascimento, integrante da Pastoral e uma das autoras do relatório "Tortura em Tempos de Encarceramento em Massa".
Sputnik

O estudo apresentado pela entidade traz denúncias de 175 casos de tortura ocorridos entre junho de 2014 e agosto de 2018, incluindo agressão física, condições degradantes de aprisionamento e negligência na prestação de assistência material ou de assistência à saúde, que levaram 10% das vítimas à morte.

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Segundo a organização, apesar das inúmeras notificações à Defensoria Pública, ao Ministério Público e à Justiça, nenhum caso levou à proposição de ação penal para a apuração de crime e nenhum agente público foi indiciado ou responsabilizado administrativamente em função dos procedimentos judiciais e disciplinares instaurados.

"As denúncias foram feitas por agentes da Pastoral, familiares e fontes anônimas. Alguns dados apontam que 46% dos denunciados são agentes penitenciários e 14% policiais. 38% dos casos de tortura ocorrem em unidades de presos sentenciados, 20% nas prisões provisórias e 25% em unidades mistas", afirmou a entidade

De acordo com a assessora jurídica Gabrielle Nascimento, uma das ideias centrais desse estudo é mostrar ao público que as condições de encarceramento por si só já trazem a tortura como uma característica inerente, que é utilizada o tempo todo para controle social dos presos. Ela destaca que, ainda hoje, existe muita falácia sobre o tema, sobretudo no que diz respeito a supostas regalias às quais os presidiários teriam acesso. 

"A verdade é que é bem ao contrário", disse ela à Sputnik Brasil. 

A especialista explica que, ao acompanhar inúmeros casos relatados, ela e seus colegas perceberam que, na maioria das vezes, as instituições responsáveis por fiscalizar o cárcere não exerciam o mínimo necessário para apurar situações de tortura. 

"A gente percebeu que existia uma completa inércia, por exemplo, em relação a exames de corpo de delito. Pouquíssimos casos resultaram em exames de corpo de delito, que é um instrumento importante para se apurar se houve um caso de agressão física, se houve uma lesão ali ao corpo da vítima da tortura. Então, a gente percebeu que existia uma certa legitimação da tortura no cárcere, entendendo que o encarceramento era uma política justificável e era uma política também legitimada por essas instituições que deveriam fiscalizar o cárcere."

​Para Nascimento, a partir do momento em que se pensa no encarceramento em massa como um projeto político e se entende a tortura como algo inerente ao cárcere, a única conclusão possível é a de que "para resolver a questão da tortura, a gente precisa desencarcerar". 

"Nós precisamos rever o nosso sistema penal como um todo, entendendo também a sua seletividade, entendendo seu caráter tão seletivo, entendendo que ele tem hoje como objetivo controle social de pessoas pobres, pessoas negras e de mulheres nesse sentido: o encarceramento de mulheres, a partir da lei de 2006, lei de drogas de 2006, cresceu mais de 600%. Então, a gente precisa adotar agora uma política de desencarceramento em massa." 

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