Muito além da 'nova política': qual é o futuro das relações entre Bolsonaro e Congresso?

A relação do presidente Jair Bolsonaro (PSL) com o Congresso não tem sido pacífica. Eleito prometendo implantar uma "nova política", o presidente encontra dificuldades para fazer sua articulação política ganhar força entre deputados e senadores. E sem o Congresso, as prometidas reformas de Bolsonaro ficarão só no papel.
Sputnik

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), chegou a dizer que também faria "nova política" para aprovar a menina dos olhos da equipe econômica de Bolsonaro: a reforma da Previdência. Maia afirmou que iria, então, cruzar os braços e esperar aplausos nas redes sociais.

Bolsonaro, que já chegou a dizer que Maia era uma como uma com uma "namorada" que quer ir embora, passa esta quinta-feira (3) em reuniões com líderes partidários. Segundo o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, o momento é de "dialogar, convidar e abrir as portas."

O presidente terá agenda inclusive com o ex-senador Romero Jucá (MDB). Senador de 1995 até a última legislatura, Jucá é frequentemente associado à "velha política".

Para entender o atual quadro de Brasília, a Sputnik Brasil entrevistou dois especialistas em política brasileira.

O cientista político Alberto Carlos Almeida diz que o chefe do poder Executivo "maltrata" os congressistas e que a associação com a "velha política" desagrada os deputados e senadores. "Maia olha com desconfiança ao governo, sabe que a qualquer momento ele pode ser vítima de uma crítica pública mais forte ou retaliação. E isso vale para todos os parlamentares."

Outro ponto que dificulta o trânsito com os legisladores é a militarização da máquina pública. Reportagem do Estadão mostrou que existem 103 militares em cargos de segundo e terceiro escalão do governo federal — além dos 8 ministros militares.

"Os militares não votam no Congresso. Isso bloqueia a entrada de indicações de parlamentares e dificulta o apoio deles ao governo", diz Almeida à Sputnik Brasil.

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Forte defensor da reforma da Previdência, o ministro da Economia, Paulo Guedes, já insinuou que pode deixar o governo caso a Proposta de Emenda Constitucional que altera as regras de aposentadoria não avance. Almeida acredita que a ameaça mostra uma "prepotência" que não ajuda na articulação política e também um possível descompasso com Bolsonaro:

"Bolsonaro está desconfortável com a reforma [da Previdência] e não se persuadiu de que ela seja necessária, ele não tem convicção da reforma. Um presidente com convicção da reforma, nesse momento só falaria dela."

Almeida ressalta que não há coesão sequer no próprio partido do presidente e que a líder do PSL no Congresso, Joice Hasselmann (PSL-SP), "cria mais brigas e arestas do que conciliação". O cientista político também pontua que dos quatro ministros que despacham no Palácio do Planalto, há apenas um civil: Onyx Lorenzoni. Apesar disso, o ministro da Casa Civil "não era um deputado muito querido pelos seus pares" e não tem bom relacionamento com Maia.

A reforma da Previdência deverá ficar para o segundo semestre e será "bastante desidratada", avalia Almeida.

Tendência é Bolsonaro fazer reformulação ministerial, diz cientista política

Estudiosa de sistemas de governo e partidos políticos, a professora da UFSCar Maria do Socorro Sousa Braga afirma não estar surpresa com o desencontro entre Bolsonaro e o Congresso. Ela afirma que as regras políticas brasileiras implicam que o presidente precisa dividir o poder — e não concentrar como Bolsonaro está fazendo.

Durante a campanha, o atual presidente prometeu governar com as bancadas temáticas para evitar o fisiologismo de Brasília. Braga diz, contudo, que é impossível ignorar os partidos políticos porque as bancadas temáticas, apesar de seu poder, não conseguem fidelizar o voto de seus membros e abrigam políticos com interesses e agendas díspares.

Os partidos podem fechar questão em determinadas votações e expulsar membros que não seguem a orientação de voto. As bancadas temáticas não têm recurso semelhante.

"Seja em um regime parlamentarista ou presidencialista, como é o brasileiro, ainda mais com o número de partidos que nós temos, essa negociação para chegar em um consenso e depois votar é o que move a política. Não tem como deixar de fazer isso."

A professora da UFSCar diz que Bolsonaro será forçado a mudar de posição e já está alterando seu comportamento para evitar o atual quadro de "baixa governabilidade". Além da negociação com os partidos, Braga acredita que Bolsonaro poderá fazer uma reformulação ministerial para dar mais poder aos partidos.

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Quem pode perder a cadeira, avalia a cientista social, são nomes de ministérios que enfrentam problemas, como o Ministério da Educação do ministro Ricardo Vélez Rodríguez.

Sem base organizada no Congresso, a cientista política da UFSCar acredita que Bolsonaro pode ser posto em cheque sem dificuldade: "É só o centrão se unir com outros partidos mais à direita que eles fecham o Legislativo, e o Executivo não tem para onde ir".

Braga diz que o momento lembra as dificuldades da presidente Dilma Rousseff (PT) com o então presidente da Câmara Eduardo Cunha, que fez diversas reformulações ministeriais para buscar apoio do Congresso.

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