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Brasil com mais acordos bilaterais pode impactar o seu futuro no BRICS e no Mercosul?

"O Mercosul não será prioridade", declarou o economista Paulo Guedes, indicado pelo então recém-eleito presidente Jair Bolsonaro em 2018, horas após 57 milhões de eleitores terem escolhido o ex-capitão do Exército para o cargo. Foi a primeira grande manifestação que sentenciava: a era do multilateralismo no Brasil está em xeque.
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A indicação do diplomata Ernesto Araújo para comandar o Ministério de Relações Exteriores, dias depois, só aprofundou o entendimento de que o país se afastaria da sua tradição que sempre favoreceu leis e acordos internacionais – boa parte deles debatidos em arenas como a ONU e a Organização Mundial do Comércio (OMC) – e o princípio da não-ingerência.

No lugar, o novo governo prometeu buscar, tanto no âmbito comercial quanto ideológico, as parcerias bilaterais com nações que tenham interesses alinhados aos do Brasil. A corrida atrás do tempo perdido se justifica: entre 1991 e 2013, Brasília só conseguiu firmar três acordos bilaterais. Nos últimos seis anos, o cenário pouco evoluiu.

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O período é o mesmo de existência do Mercosul, bloco regional que visa dar mais força aos países-membros – Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Venezuela (este último suspenso) –, porém tal caráter multilateral, seja por disputas comerciais internas ou por aspectos políticos e ideológicos, trouxe mais danos do que benefícios na última década, segundo analistas.

Mas tal guinada do governo Bolsonaro trará mais benefícios ou prejuízos ao Brasil? A Sputnik Brasil ouviu especialistas para tentar responder a essa e outras dúvidas sobre os rumos das parcerias comerciais bilaterais brasileiras.

Mais comércio, menos ideologia

Para o economista e professor de Finanças do Ibmec, Gilberto Braga, o novo momento liderado pelo ministro Paulo Guedes deve ser encarado como uma novidade, uma vez que o Brasil sempre adotou um tom mais diplomático em questões econômicas perante o mundo. A mudança, deixando de lado uma preferência que antes era por órgãos coletivos em detrimento de negociações bilaterais, deve ser vista como positiva, segundo ele.

"O que a gente consegue perceber é que as relações bilaterais são obviamente muito mais rápidas. As questões de blocos demandam muito mais tempo de costura e, portanto, de menor eficácia do que são as relações diretas, que são pontuais e envolvem interesses econômicos recíprocos", afirmou em entrevista à Sputnik Brasil.

Braga ainda avaliou que o Brasil já vem dando sinais a alguns países em especial, como os Estados Unidos, Israel e Chile, e que isso pode ser um refluxo do que se pensava a respeito das relações comerciais de sucesso entre países no pós-guerra, muito calcadas na ideia de união entre nações geograficamente próximas, a fim de mais poder de barganha e negociação.

"Eu entendo que, diferentemente do que se projetava no início desse século, que os blocos seriam a grande solução para tudo e a gente partia para uma nova ocupação geoeconômica do mundo, isto parece que travou, seja por questões de crises econômicas ou por questões bélicas e ideológicas. Ainda que a gente possa dizer que houve avanços nas questões dos blocos econômicos de forma localizada, isso não inviabiliza que se desenvolvam relações bilaterais que são mais efetivas e mais rápidas, e que relações bilaterais podem ser depois levadas para dentro de acordos de blocos", acrescentou.

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Todavia, o economista destacou que ainda é cedo para avaliar se os indicativos em favor de acordos bilaterais trarão os benefícios que o governo Bolsonaro aguarda, uma vez que o cenário geoeconômico global pode ser comparado a um tabuleiro de xadrez.

"Ainda não se sabe ao certo qual é o resultado prático disso porque é um tabuleiro de xadrez, no qual você não mexe sozinho as suas peças. Existe, primeiro, do outro lado um parceiro com o qual você negocia e, ao mesmo tempo, você tem um tabuleiro todo se mexendo na medida em que, por exemplo, você tem guerra comercial entre EUA e China, você tem escaramuças entre a Rússia e alguns países ocidentais, então é um movimento onde, ao você botar o dedo e mover uma peça, você mexe todo o tabuleiro. Ainda não é possível saber o resultado efetivo disso, mas de fato a gente pode dizer que há um novo momento", pontuou o economista.

Rompimento histórico: estratégia 'burra'?

Com menos de uma dezena de acordos bilaterais hoje vigentes com outros países, o Brasil está distante de outros países, como os Estados Unidos, que hoje possui 20 compromissos do gênero em vigor, ou nações asiáticas como a China e a Índia, que possuem 45 e 42 acordos bilaterais, respectivamente. Sob este aspecto, o movimento brasileiro parece justificado.

Contudo, a ideia de se afastar de uma tradição multilateral, inaugurada nos tempos de um Itamaraty conduzido pelo Barão do Rio Branco, e consagrada até mesmo por governos da ditadura militar, sobretudo na era do general Ernesto Geisel (1974-1979), divide opiniões, conforme explicaram os analistas ouvidos pela Sputnik Brasil.

Na visão do cientista político da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Leonardo Avritzer, o governo Bolsonaro demonstra até o momento não ter qualquer estratégia na política externa, baseando-se somente em alinhamentos ideológicos – inclusive na área comercial. De acordo com ele, tal visão deve ser considerada "burra" e prejudicial ao Brasil.

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"É uma ruptura que instaura uma visão ideológica de extrema-direita na política brasileira […]. Evidentemente que a gente teve uma diminuição da influência dos EUA na ordem global e já é evidente, por exemplo, na crise da Síria neste momento os EUA já não tem presença lá. No conflito com a China, os EUA não negociaram, eles estabeleceram um preceito de retaliação unilateral e a China também retaliou os EUA. As duas economias estão próximas de serem equivalentes em tamanho nos próximos anos. Então, assim, nós temos as duas coisas: a ideológica, que é importante dizer que é uma visão burra, porque ela não se adequa à nova correlação de forças de um mundo que se torna rapidamente pós-americano", ponderou.

Avritzer usou Israel para exemplificar o seu ponto de vista. O cientista político disse acreditar que a política externa do Brasil que se foque, por exemplo, em estreitar laços comerciais com Tel Aviv foge dos reais interesses do empresariado brasileiro, uma vez que, segundo ele, visa apenas se alinhar à hegemonia dos EUA e, de quebra, irritar os árabes, grandes compradores das commodities do país há décadas.

"Na questão israelense isso é ainda mais impressionante porque o Brasil tem uma pauta econômica ridícula, tentando comparar com os demais países do Oriente Médio. O Brasil é basicamente um país exportador de commodities minerais e agrícolas, os países do Oriente Médio são grandes consumidores principalmente da produção agrícola. Então não é claro que a política do governo expresse qualquer tipo de realismo, seja no que diz respeito ao papel real dos EUA nessa conjuntura, seja no que diz respeito aos interesses empresariais brasileiros na região", avaliou.

O cientista político da UFMG relembrou que o principal parceiro comercial brasileiro é a China, justamente um dos países mais criticados por Bolsonaro durante a campanha eleitoral de 2018, o que significa que, se há um acordo bilateral aí fora que o Brasil deveria costurar, deveria ser com Pequim, e não o esforço por um alinhamento com um governo "enfraquecido", como o do presidente estadunidense Donald Trump. 

"A China já é a principal influência na maior parte dos países da África, é uma potência militar, é proprietária de terra na maior parte dos países da América Latina, e tem um grande banco de exportação […]. Evidentemente que o Bolsonaro está reforçando a posição dele em relação aos EUA, em um momento em que o governo Trump está enfraquecido, já perdeu as eleições para a Câmara Baixa em novembro do ano passado, e não conseguiu na verdade impor a sua agenda econômica em relação à China. Então na verdade ele [Bolsonaro] está trocando o multilateralismo por um aliado fraco e em fim de governo. Não parece que isso vá ter algum tipo de consequência econômica ou política relevante", sentenciou.

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Futuro brasileiro nos BRICS, no Mercosul e na OCDE

Em várias aparições públicas, Bolsonaro declarou em mais de uma oportunidade que quer ver o Brasil fazendo negócios com todo o mundo, criticando uma suposta preferência que governos anteriores – sobretudo os de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, ambos do PT – teriam dado a países de esquerda e bolivarianos. Por consequência, tal nova dinâmica em Brasília estaria abrindo o país para o comércio com uma gama nova de países.

Assim, a ideia de avanço rumo aos acordos bilaterais acompanha a meta do novo governo em entregar resultados rápidos, como aguarda o mercado financeiro e o empresariado nacional. Em 2017, o então diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, explicou os motivos do sucesso dos compromissos diretos entre dois países ante os complicados acertos multilaterais

"Menos países significa que os acordos comerciais preferenciais podem ser encerrados dentro de um período de tempo mais curto. Em segundo lugar, eles podem entrar em novos territórios. Devido a semelhanças de interesses e valores frequentemente mais comuns, os acordos comerciais bilaterais podem entrar em novas áreas, como investimento, concorrência, normas técnicas, normas trabalhistas ou disposições ambientais, onde não há consenso entre os membros da OMC. Em terceiro lugar, muitos dos recentes acordos de livre comércio contêm considerações políticas ou geopolíticas", comentou durante um evento na Índia.

"Para os países em desenvolvimento que negociam com países desenvolvidos mais poderosos, geralmente há a expectativa de benefícios preferenciais exclusivos, bem como expectativas de ajuda ao desenvolvimento e outras recompensas não comerciais. Acordos bilaterais de comércio também são úteis para os negociadores aprenderem como negociar, contribuindo para o fortalecimento das instituições comerciais de um país. Muitos acordos regionais de comércio têm sido a base para a paz e maior estabilidade política. Finalmente, eles são frequentemente usados como instrumentos de reforma interna em áreas onde o sistema multilateral oferece uma alavancagem mais fraca", complementou.

Contudo, Lamy opinou que os acordos bilaterais não podem substituir as regras comerciais multilaterais, explicando que "acordos comerciais preferenciais podem criar um incentivo para uma discriminação ainda maior, o que acabará prejudicando todos os parceiros comerciais", e que "acordos bilaterais não podem resolver questões sistêmicas como as regras de origem, antidumping, subsídios agrícolas e pesqueiros".

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"Para muitos países em desenvolvimento pequenos e fracos, entrar em um acordo bilateral com um país grande e poderoso significa menos alavancagem e uma posição de negociação mais fraca do que nas negociações multilaterais. Pode não ser o caso da Índia, da China, do Brasil, dos EUA e da Comunidade Europeia, mas será verdade para as Ilhas Maurício, o Sri Lanka, o Camboja ou Gana", afirmou o representante da OMC.

Tal desequilíbrio comercial entre os países criou dentro da OMC um mecanismo de proteção para os países mais pobres ou em desenvolvimento. E é justamente esse benefício, do qual o Brasil usufrui, que os EUA querem que o governo Bolsonaro abra mão. Em mais de uma ocasião autoridades brasileiras buscaram o órgão para questionar incentivos agrícolas de outros países.

Se o Brasil aceitar, deverá ganhar o patrocínio de Washington para adentrar a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), como é conhecido o bloco dos países mais ricos do mundo. Além do choque com o afastamento de arenas multilaterais já observado pelo Palácio do Planalto e pelo Itamaraty, a ideia de que se associar a países desenvolvidos, sendo o Brasil uma nação notoriamente desigual, trará benefícios certos é digna de contestação.

Na avaliação do economista Gilberto Braga, uma eventual entrada brasileira na OCDE sedimenta o desejo de ganhar o status de grande potência econômica, meta que ganharia fora pelo "apadrinhamento" dado por Trump. Entretanto, restam ainda muitas incertezas sobre os reais benefícios do movimento, caso ele ocorra.

"Não fica muito clara qual é a verdadeira vantagem que o Brasil vai ter em estar dentro desse clube sem efetivamente ser um país rico, no mesmo nível das demais potências que fazem parte desse bloco, e nem fica muito claro do que o Brasil vai ter que abrir mão para estar lá, sobretudo nas relações com outros blocos e abdicando ou não de outros blocos. Esse jogo ainda não está compreensível para o mercado, é preciso esperar um pouco mais de tempo, na minha visão", disse.

Antes de sonhar com a OCDE, o Brasil terá de ser mais claro sobre o seu futuro dentro dos blocos dos quais já faz parte, como o Mercosul e os BRICS. Quanto ao primeiro, os analistas ouvidos pela Sputnik Brasil apresentaram pontos de vistas dissonantes. Para Braga, é tempo de otimismo, já que existe um cenário para que o bloco volte à sua essência, de cunho comercial e tarifário, abandonando o espectro ideológico adquiridos nos anos 2000.

"O Mercosul nos últimos anos acabou sendo inchado por países que não tinham grande contribuição econômica, estavam lá muito mais por uma questão continental e interesse político do que propriamente econômico. Era um bloco com as características da região, porém o viés e o seu DNA sempre foi econômico e comercial. Então é um regime de comercialização com uma diferenciação tarifária, e essa essência talvez possa ser recuperada agora na medida em que, por exemplo, se exclua a Venezuela do bloco. Acho que o Mercosul tem uma chance de ser, de alguma maneira, saneado no aspecto da prevalência de um interesse econômico maior na região e não de interesse político que ele aparentemente tinha nos últimos anos", avaliou.

Já o cientista político Leonardo Avritzer não vê o mesmo potencial ao bloco sul-americano, o qual, segundo ele, "não consegue deslanchar economicamente".

"O caso do Mercosul já é uma questão muito mais regional, que não consegue deslanchar economicamente pelo fato de que os países estão em crise econômica quase que permanente", declarou. Ainda de acordo com ele, Brasília tem ainda mais a perder se se afastar dos BRICS.

"Os BRICS são uma articulação bastante exitosa na última década, e o Brasil se afastar dela vai significar o Brasil se afastar de economias emergentes muito importantes […]. De todas as maneiras, o Brasil em se desvinculando dos BRICS e do Mercosul teria de ter uma agenda multilateral que fizesse sentido e não consegue fazer porque o governo Bolsonaro é um governo ideológico que não altera [posições] a partir do realismo político", acrescentou.

Já Braga vê com cautela a participação do Brasil nos BRICS na era Bolsonaro, sobretudo diante do anseio em torno de uma entrada na OCDE. O docente do Ibmec sugeriu que os preceitos tão distintos e distantes entre os dois blocos comerciais e econômicos podem apresentar uma dicotomia ímpar e desafiadora do governo brasileiro ao longo deste e dos próximos anos.

"Em relação aos BRICS ainda não está muito claro qual é o papel do Brasil porque, ao mesmo tempo em que o Brasil é um dos membros dos BRICS e tem muitas similaridades com os demais integrantes, ele aspira estar no grupo dos grandes, ele vem buscando uma vaga na OCDE. Então é difícil a gente entender se você consegue ficar sob dois chapéus, ou seja, uma hora sou da OCDE, outra hora sou dos BRICS porque, aparentemente, embora você possa ter interesses convergentes, há também muitos interesses divergentes em que os BRICS, em uma atuação conjunta, tendem a impor determinadas condições aos países mais ricos e que estão mais presentes na OCDE. Então eu vejo isso de maneira ainda um pouco indefinida", concluiu.

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