2019 tem sido um ano alarmante com relação aos dados de violência contra a mulher em Portugal. Até agora, 14 já foram assassinadas, a maioria por homens que faziam parte do círculo de relacionamento das vítimas. Em todo o ano passado foram 28 feminicídios no país. Os dados são do observatório da UMAR — União de Mulheres, Alternativa e Resposta.
A entidade nasceu em 1976 como consequência da Revolução dos Cravos, em 25 de abril de 1974, que acabou com um regime ditatorial de 48 anos em Portugal. "A UMAR surgiu no contexto das movimentações populares do pós 25 de Abril. É um coletivo de mulheres que sentiu necessidade de lutar pela igualdade de gênero", explica à Sputnik Brasil Joana Sales, membro da direção.
A entidade é uma das que vão participar do desfile na Avenida da Liberdade, em Lisboa, uma das atividades mais tradicionais das celebrações. "Antes do dia 25 de Abril, os movimentos não tinham liberdade de expressão. Devemos tudo à liberdade, sem liberdade não há direitos, não há igualdade. É fundamental estarmos sempre na rua a defender os valores de abril", afirma Joana.
Brasil em cena
Os brasileiros são a maior comunidade imigrante em Portugal, ultrapassando os 80 mil de acordo com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. As pautas que movimentam o cenário sociopolítico da comunidade vão estar presentes na celebração do dia 25 de abril não apenas com a UMAR.
O Coletivo Andorinha, formado por brasileiros, se prepara para a quarta participação. "Eu acho que as pessoas se sentem muito representadas quando a gente consegue fazer alguma ação de fora. E a gente também, participando desses eventos, dessas manifestações aqui em Portugal, são maneiras de a gente também se integrar ao que está acontecendo", afirma à Sputnik Brasil Samara Azevedo, ativista do coletivo.
Retorno da democracia
No dia 25 de abril de 1974, centenas de militares integrantes do Movimento das Forças Armadas — MFA — marcharam por várias regiões de Portugal para ocupar quartéis e outras entidades ligadas ao governo ditatorial e tomar o poder. Depois de negociações em Lisboa, o então primeiro-ministro, Marcelo Caetano, se rendeu e negociou termos para a saída. "É um processo relativamente isolado no mundo. Penso que há só outro caso histórico em que os militares são responsáveis por trazer a democracia, isto é relativamente inédito", afirma à Sputnik Brasil Filipa Raimundo, pesquisadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.
Na época, Portugal estava há 48 anos sob regimes ditatoriais. A pesquisadora explica que o cenário nacional era de enfraquecimento econômico e falta de desenvolvimento, além de tensão pelas batalhas cruéis travadas nas então colônias portuguesas na África, para exterminar movimentos independentistas, como Moçambique, Guiné e Angola.
A ativista Samara Azevedo acredita que o engajamento das pautas brasileiras nas comemorações de abril faz sentido. "Os portugueses entendem o que está acontecendo no Brasil, sabem mais do que os próprios brasileiros", declara.
Historiador e diretor do Museu do Aljube, que funciona no prédio onde antes ficavam confinados presos políticos, Luis Farinha acredita que não só no Brasil, mas em outros países o cenário atual é preocupante.
"Encaramos com preocupação o que se passa no Brasil e também em todas as experiências do mesmo tipo que se passam não só na América Latina, mas também na Europa. Na União Europeia estão a surgir experiências que eu chamaria iliberais. São regimes xenófobos, autoritários, que procuram limitar a atividade das oposições e das minorias. Nós vemos tudo isso com muita preocupação. Desejamos muito que o Brasil retome um curso mais democrático", afirma o historiador à Sputnik Brasil.
Para a ativista Samara Azevedo, é neste cenário que a postura dos portugueses com relação ao 25 de Abril ganha ainda mais peso. "É o de não se deixar perder na memória para que o fantasma do fascismo não reapareça".