O pedido de autorização da ONU está em meio a outros vários, apesar de uma política de portas abertas que o Brasil mantém com a organização.
Em 2018, por exemplo, nenhum desses pedidos foi atendido, apesar de o país apenas controlar as datas das visitas. Já em 2019, a promessa é de que o atual governo de Jair Bolsoanaro retome as agendas de visitas, mas nada foi feito ainda.
É o caso, por exemplo, de denúncia protocolada pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa fluminense, que denunciou o governador do estado, Wilson Witzel. A presidente da comissão, Renata Souza (PSOL), apresenta na denúncia que 432 pessoas foram mortas em ações de forças de segurança nos primeiros três primeiros meses do ano no Rio de Janeiro. Posteriormente Witzel criticou a denúncia e sugeriu a cassação da deputada.
Duas visitas já foram agendadas. Uma delas já ocorre, da relatora especial para eliminação da discriminação contra pessoas afetadas pela hanseníase, Alice Cruz. Seu pedido de visita foi feito ainda em 2017. Já o relator especial sobre resíduos e substâncias tóxicas, Baskut Tuncak, que havia feito seu pedido em agosto de 2018, foi convidado para vir ao Brasil em dezembro deste ano, tendo em vista o desastre de Brumadinho.
"Onde o crime se estabeleceu de forma consistente, avançou para o poder"
Paulo Storani, ex-instrutor do BOPE e professor de Ciências Criminais da Faculdade Cândido Mendes, no Rio de Janeiro acredita que a ONU cumpre seu papel ao lançar uma investigação sobre as execuções sumárias e a atuação da milícia no Brasil.
Ele afirma que as atividades de milícias se estruturaram em torno do poder público repetindo padrões de ação vistos em outros países ao longo da história.
"Em todo o lugar na história da humanidade onde o crime se estabeleceu de uma forma consistente, avançou para o poder — no processo de tomada de decisão do poder público, na verdade. Se imiscuindo muitas das vezes pela corrupção junto aos órgãos fiscalizadores, posteriormente buscando exercer uma influência nas decisões do governo, colocando representantes legislativos nas casas adequadas", afirma.
Para Storlani, esse tipo de inserção das atividades do crime dentro do poder acontece a nível municipal, estadual e também federal.
"Então isso é um processo histórico […] de influência no poder através da própria ferramenta democrática, sendo eleito, patrocinando políticos, tutelando determinadas decisões que são feitas nessas casas legislativas", afirma Storlani, que também ressalta que o poder Executivo chega a ser tocado por essas decisões.
O especialista em segurança pública lembra que essas interferência no poder altera políticas na área de segurança de forma que possa conduzir aos resultados buscados pelos corruptores. No caso do Rio de Janeiro, há o exemplo das milícias que se espalham pelo estado.
"É assim com a milícia aqui no Rio de Janeiro, como já foi provado, [onde foram] presos legisladores envolvidos diretamente com milícias. Mas também nós temos aqui outra tantas situações que ocorrem que mostram essa influência cada vez mais permanente em razão da falta de fiscalização", aponta.
O especialista também vê a falta de efetividade na ação de combate às milícias como um problema estrutural. Para ele, o Estado não consegue conter as milícias "da mesma forma que não consegue conter a ação dos narcotraficantes".
Storlani se recorda de que houve momentos em que a ação da Polícia Civil no Rio de Janeiro conseguiu conter o avanço das milícias na região, porém acredita que a permanência de governos corruptos interrompeu essa trajetória.