Segundo análise da professora de Relações Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo (ESPM/SP), Denilde Holzhacker, as duas viagens feitas por Bolsonaro aos EUA neste ano são bastante distintas. Em março, o presidente brasileiro foi recebido com honras de chefe de Estado pelo presidente estadunidense Donald Trump, em Washington.
Já nesta semana, a situação foi diferente. Em uma agenda confeccionada às pressas, Bolsonaro foi até Dallas para receber um prêmio oferecido pela Câmara de Comércio Brasil-EUA, que anteriormente seria entregue a ele em Nova York, mas as declarações do prefeito nova-iorquino Bill de Blasio contra o líder brasileiro e diversas recusas para sediar o evento inviabilizaram a ida dele até a cidade há algumas semanas.
De acordo com Denilde, a natureza singular desta viagem mais recente aos EUA se pautou mais por uma resposta de Bolsonaro, dentro e fora do Brasil, de que a Presidência da República segue prestigiada, mesmo diante das críticas de um democrata que hoje comanda Nova York.
"Acho que aqui há uma estratégia que outros presidentes também utilizaram, quando você tem uma crise muito aguda, se está fora [do país] você consegue preservar e fala um pouco distante. Acho que pode ter sido isso, e acho que ele se sentiu pessoalmente atingido pelas críticas feitas pelo prefeito de Nova York e acho que ele se sentiu na necessidade de ir aos EUA receber o prêmio. Já tinha adiado a ida, tinha que ser essa semana porque a entrega do prêmio seria nesta semana, então acho que teve aí o fator da própria lógica do Bolsonaro de tentar mostrar que ele não é o líder incapaz de participar de fóruns internacionais ou de ser mal recebido em outros países. Aqui acho que a sinalização era tanto externa, para mostrar que ele é um líder que foi receber um prêmio importante, quanto interna de mostrar que o Brasil não tem o seu presidente sendo mal recebido ou não sendo recebido em fóruns internacionais", avaliou.
Em solo texano, Bolsonaro se encontrou com o ex-presidente dos EUA, o republicano George W. Bush, e com o senador republicano Ted Cruz, político derrotado por Trump na corrida para a Casa Branca, nas primárias de 2016. Entretanto, para a professora da ESPM/SP, o presidente brasileiro trouxe de volta muito pouco, em termos práticos, para o país.
"Em termos de benefícios ou de políticas para o país, ela teve muito pouco, ele teve poucos encontros, basicamente privados, mesmo com políticos locais, mesmo com o ex-presidente George W. Bush, não tinha um caráter de discutir temas ou até de tratar de questões da política externa brasileira. Dos relatos, dois pontos foram importantes das conversas privadas, e aí para entender o contexto de algumas das políticas, a principal delas foi a questão da Venezuela, e a questão das eleições na Argentina e o que pode mudar na América Latina com o resultados das eleições argentinas. Mas, de fato, foi uma visita rápida, com poucos resultados práticos e a gente pode tratar mais como uma visita de cunho pessoal, com interesses pessoais do presidente, bem diferente da visita anterior na qual, sim, foram discutidas pautas do relacionamento entre EUA e Brasil", ponderou.
Até mesmo os ganhos pessoais para Bolsonaro, conforme analisou Denilde, podem ser relativizados, dada a rapidez com que se deu a viagem e o seu caráter mais pessoal do que institucional. Contudo, ela acredita que foi mais uma tentativa do presidente brasileiro em se colocar "como um líder dessa nova direita internacional", ao lado de figuras como o próprio Trump, o vice-primeiro-ministro italiano Matteo Salvini, e o primeiro-ministro húngaro Viktor Orban.
Assim como outros analistas já fizeram desde o início do governo, a professora da ESPM/SP questionou a principal linha da política externa brasileira hoje: um alinhamento quase que automático às políticas e aspirações dos EUA no contexto global. Ela relembrou que isso não é novo no país — governos distintos, como o do general Castello Branco na ditadura militar, ou o do ex-presidente Fernando Collor, adotaram essa postura —, mas a questão que perdura é uma: Bolsonaro quer mais a amizade dos EUA ou a de Trump?
"Acho sim que existe essa conotação de admiração e até uma tentativa em algumas situações de imitar o estilo Trump na forma da comunicação, nas críticas à imprensa, na forma de colocação de algumas das agendas de política doméstica e também de política externa. Então, de fato sim tem uma clara posição de admiração ao Trump. Mas, por outro lado, há uma visão nesse governo de que o Brasil precisaria melhorar as suas relações com os EUA e voltar a ser o principal parceiro comercial e político brasileiro, e aí é para se contrastar com os anos dos governos Lula e Dilma de que haveria uma confrontação desnecessária com os EUA", afirmou.
"Estes dois fatores acontecem, as duas visitas mostram essa admiração quase que ingênua, ontem ao fazer continência à bandeira americana como ele já tinha feito antes, quando foi aos EUA como deputado, fazer discursos dizendo como nós, brasileiros, gostamos dos EUA. Existe uma certa admiração ao Trump, mas também ao país e a forma de vida nos EUA, que é bastante comum entre grandes parcelas da elite brasileira que entende essa aproximação como favorável. Do ponto de vista de política externa, ele fez uma mudança de colocar prioridade nas relações com os EUA em detrimento das relações com outros países, e aí a visita mostra que os dois países e, principalmente acho que a gente precisa analisar a primeira visita que mostra uma série de iniciativas que foram iniciadas, para de fato fazer com que essa relação passe a ser bastante importante para o Brasil", acrescentou.
A especialista ressaltou que, por ora, a postura pró-Washington exaltada por Bolsonaro é mais uma que o coloca em rota de colisão com o vice-presidente do país, Antônio Hamilton Mourão, que embarca nesta sexta-feira para a China — a pedido do presidente, o general da reserva do Exército comanda comissões bilaterais com os chineses e com a Rússia.
"A crítica que tem sido feita é que hoje, pelos interesses do país, pela nossa diversidade de interesses econômicos principalmente, a gente não pode fazer ou não seria tão vantajoso fazer um alinhamento tão automático com os EUA sem considerar as nossas outras áreas de interesse e outros países importantes para o país. Por isso, a gente percebe uma diferença entre a posição do Bolsonaro e a posição do vice, que está indo hoje para a China exatamente para mostrar que o Brasil tem outros interesses em termos de política externa e comercial. A gente nota que há uma divergência entre as posturas e discursos entre a Presidência e a Vice-presidência na questão das políticas externas brasileiras", completou.