Stenin, que trabalhava para a Agência Internacional de Informação Rossiya Segodnya, tinha 33 anos quando desapareceu, em 5 de agosto de 2014, na província ucraniana de Donetsk, na cidade de Snezhnoe, após passar por lugares como Egito, Líbia, Síria e Palestina. Seu sumiço logo chamou a atenção da comunidade internacional, resultando em manifestações preocupantes de diferentes organizações de defesa dos direitos humanos e associações de imprensa. Após relatos de que seus restos haviam sido encontrados junto com o de outras pessoas, sua morte foi finalmente confirmada em 3 de setembro, e decretada com a data de 6 de agosto.
Até hoje, os detalhes em torno dos últimos dias do jornalista russo na Ucrânia geram controvérsias, assim como acontece com tantos outros jornalistas ao redor do globo. Mas seu legado segue servindo de fonte de inspiração e alerta para outros profissionais da área e defensores das liberdades de imprensa e expressão, em um momento em que a insegurança ainda é motivo de grande preocupação em diversos gêneros de cobertura.
Para o especialista em direitos humanos Fernando Brancoli, professor do Instituto de Relações Internacionais e Defesa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), nesses anos que se seguem à morte de Andrei Stenin, é possível notar uma piora na segurança dos jornalistas que trabalham em zonas consideradas de maior risco. Ele destaca que tanto em cenários de violência que, às vezes, nem envolvem conflitos armados de maneira direta, como é o caso do México, quanto em ambientes de conflitos armados abertos, como na Síria, há um número crescente de mortos entre comunicadores e jornalistas.
"A gente repara também um padrão. Apesar de termos casos famosos, de jornalistas de grandes emissoras, de grandes conglomerados, que acabam chamando mais atenção, a gente tem, tradicionalmente, jornalistas de pequenos conglomerados de notícias, jornalistas locais — no caso do Brasil, no interior — que são mortos ou ameaçados muitas vezes. Então, eu diria que a situação não tem melhorado, não. Ela tem piorado nos últimos anos", disse o acadêmico em entrevista à Sputnik Brasil.
De acordo com Brancoli, a segurança dos jornalistas deve ser uma responsabilidade, primordialmente, das autoridades competentes do respectivo Estado, desde que o mesmo esteja funcional. Por força de tratados internacionais, diz ele, o Estado deve agir para que todos os profissionais de imprensa tenham plenas condições de exercer o seu trabalho.
"Agora, quando a gente está falando de contextos de insegurança, em contexto de guerra, o Estado, às vezes, não tem capacidade de garantir essa segurança, ou ele mesmo persegue jornalistas, com receio de que certas informações vazem, de que a imagem fique prejudicada no exterior. Mas, a princípio, o Estado, por força da lei, deve garantir o pleno exercício do trabalho do profissional de imprensa."
O jornalista Marcelo Träsel, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e integrante da diretoria da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), acredita que, apesar de os últimos anos não terem sido os piores da série histórica, há uma tendência de aumento nos assassinatos de jornalistas em coberturas de risco desde 2004. Segundo ele, além das mortes em si, há outras preocupações ligadas a esse tipo de atividade nos últimos anos, inclusive no Brasil:
"No Brasil, desde 2013, a Abraji vem acompanhando com preocupação as agressões a repórteres durante manifestações, por exemplo, que é um fenômeno novo. Além disso, nos últimos dois ou três anos, cada vez mais profissionais vêm se tornando vítimas de assédio virtual, como invasões em seus telefones ou perseguição nas redes sociais. Então, podemos dizer que ser jornalista no Brasil ficou mais perigoso nos últimos cinco anos, sim", declarou o especialista também em entrevista à Sputnik Brasil.
Para Träsel, uma vez que os jornalistas prestam um serviço de interesse público, a responsabilidade pela sua segurança, de maneira mais ampla, deveria ser de toda a sociedade.
"As forças policiais têm como sua responsabilidade proteger a vida de todos os cidadãos, então deveriam proteger os jornalistas como a quaisquer outros. Dentro das redações, precisamos aceitar que nenhuma pauta vale uma vida. As chefias de redação e editores precisam avaliar os riscos envolvidos em cada situação e os repórteres precisam ter certeza de que serão respeitados, caso se neguem a perseguir uma pauta perigosa. Além disso, é preciso oferecer treinamento e orientação antes de enviar um repórter para uma situação arriscada."
O professor da UFRGS frisa ainda que, no caso brasileiro, há uma violência que assusta toda a população, e, no que diz respeito a trabalhos de reportagem, muitas vezes, os jornalistas são obrigados a interagir diretamente com os responsáveis por essa violência, sejam eles "traficantes, desmatadores ilegais, grileiros, coronéis", por exemplo.
"Somos uma democracia relativamente jovem, que não puniu os responsáveis pelas torturas e mortes do período ditatorial e vem falhando em punir os mandantes de crimes como o massacre do Carandiru, ou o de Eldorado dos Carajás. Isso favorece um clima de autoritarismo e impunidade que pode incentivar, por exemplo, políticos a encomendarem assassinatos de jornalistas. A primeira ação necessária para reverter esse quadro é encontrar e punir os responsáveis pelas mortes de jornalistas e comunicadores. Além disso, também é preciso deixar claro para os mandantes desse tipo de crime que a sociedade não vai se esquecer das pautas que os repórteres estavam investigando quando foram mortos."
Atento aos perigos relacionados à atividade jornalística, o governo brasileiro editou um decreto neste ano abrindo para profissionais da área a possibilidade do porte de armas, sugerindo que essa medida poderia ser útil para a redução da violência a que esses profissionais são expostos em diferentes situações. Mas, segundo Fernando Brancoli, essa ideia poderia resultar em consequências opostas às pretendidas pelas autoridades.
"Conversando com colegas jornalistas, eles argumentaram que não se sentiriam mais protegidos por ter um armamento, por poderem andar com uma pistola. Em parte, porque não teriam treinamento para isso e, na maior parte das vezes, também porque a violência exercida contra esses jornalistas dificilmente se dá num contexto em que, se ele revidar com uma arma, ele poderia se defender. A gente vê casos, por exemplo, no interior de Minas Gerais, onde a gente teve recentemente assassinatos de jornalistas, que são emboscadas muito bem feitas. Ficam esperando, por exemplo, o jornalista sair da rádio ou algo parecido, e, dificilmente, se ele está ali com um porte de arma leve ou uma pistola, teria algum resultado. Poderia ter, inclusive, uma prática inversa, gerar mais insegurança. Então, me parece que armar jornalista como medida de segurança não é a melhor das ideias, não."
Em vez de armar os jornalistas, Brancoli defende que, em primeiro lugar, a segurança desses profissionais durante suas coberturas estaria ligada principalmente a uma capacidade normativa, ou seja, de garantir que eles não sofrerão algum tipo de repercussão jurídica por realizar seu trabalho. Assim como Träsel, ele lembra que são muitas as ameaças e os riscos a serem considerados nesse tipo de atividade.
"Vale a pena lembrar que não são só ataques físicos, mas, muitas vezes, ameaças de processos, ameaças diversas que fazem com que o trabalho jornalístico seja reduzido. E [é necessário] efetivamente observar esse profissional da imprensa, em algumas localidades, como um profissional em risco, como acontece, por exemplo, com policiais ou algo parecido. Não é incomum, em países mais desenvolvidos, que jornalistas recebam, por exemplo, proteção policial e recebam uma série de garantias para poderem exercer seu trabalho. Então, eu diria que tem dois esforços aí: não só uma aplicação mais correta da lei, mas um cuidado também do Estado para garantir que esse jornalista tenha a possibilidade de exercer seu trabalho. E, falando também das organizações de imprensa, um cuidado maior para onde envia seus jornalistas, o tipo de ação que solicitam dele e, de alguma maneira, ter como primeiro foco, além da notícia, a segurança e o bem estar do profissional."
Concurso de Fotografia Andrei Stenin
Com o intuito de homenagear o jornalista russo morto na Ucrânia, a Agência Internacional de Informação Rossiya Segodnya criou um concurso de fotos batizado com o seu nome, voltado para jovens fotojornalistas. Terceiro colocado na categoria esportiva de séries em 2015, com fotos tiradas no Brasil, o português Daniel Rodrigues compartilhou algumas de suas impressões sobre Stenin e sobre o fotojornalismo com a Sputnik Brasil.
Questionado sobre a péssima colocação do Brasil no ranking de países mais perigosos para profissionais da área jornalística, o português afirmou ter sentido uma atmosfera diferente no país em uma visita recente que fez ao Brasil.
"É com muita tristeza que vejo isso! Mais recentemente, voltei ao Brasil para fotografar outra história e notei uma diferença enorme entre 2019 e 2015. Cada vez é mais perigoso e é uma pena, porque é um país com um potencial enorme em termos de histórias. Em vez de ser mais fácil exercer a nossa profissão lá, é cada vez mais complicado. Um passo atrás nesse país em relação à verdade jornalística", disse ele.
Para Rodrigues, é fato que "as coisas mudaram para pior" no que diz respeito à segurança dos profissionais de mídia que se dedicam à cobertura em zonas de risco. E, nesse sentido, ele acredita que a morte de Andrei Stenin possa servir como referência para uma mudança significativa dessa tendência.
"Cada vez é mais difícil sentirmo-nos seguros em locais de conflito. O fato de as redes sociais terem um poder enorme hoje em dia faz com que a nossa segurança seja mais vulnerável nesses locais. Mas espero que não seja esse o futuro e que a morte do Andrei seja um exemplo para haver uma mudança nesse sentido."