A lei permitiria que os suspeitos fossem extraditados e julgados pela justiça da China continental, entretanto, o projeto já foi suspenso pelo governo chinês.
Em meio aos recentes acontecimentos envolvendo a China e Hong Kong, a Sputnik explica os detalhes de toda a situação, como consequências e perspectivas sobre a crise do acordo "um país, dois sistemas".
'Um país, dois sistemas' ou 'dois países com seu próprio sistema'?
A China surgiu há quatro mil anos e se tornou um grande império no século II a.C. No século XIX, a região era explorada pelo Reino Unido, e os conflitos da dominação resultaram nas duas Guerras do Ópio, a primeira entre 1839 e 1842, e segunda entre 1856 e 1860.
O território de Hong Kong, por sua vez, pertenceu à China até 1842, quando o império Qing perdeu a Guerra do Ópio para os britânicos e Hong Kong, então, tornou-se uma colônia britânica.
Posteriormente, Hong Kong foi ocupada pelos japoneses durante a Segunda Guerra Mundial e devolvida ao governo chinês em 1997, quando se tornou uma Região Administrativa Especial da China, assim como Macau.
No mesmo ano, uma política conhecida como "um país, dois sistemas" foi adotada, onde Hong Kong conquistou o direito de manter diversas características capitalistas.
Hoje, Hong Kong conta com autonomia política, onde os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário se tornaram mais independentes do controle do governo chinês.
Após séculos separados, China e Hong Kong possuem suas próprias características linguística, social e cultural.
O estilo de vida e os hábitos entre Hong Kong e a China continental são muito diferentes, o que causa certo preconceito entre ambos.
Economicamente, o empreendedorismo, energia e investimentos de Hong Kong beneficiaram a China continental, já que a cidade funciona como um centro logístico, servindo de "entrada para a China" ao resto do mundo. Entretanto, a reexportação de produtos chineses, o turismo interno e a demanda pelo varejo da China continental são importantes para a economia de Hong Kong.
Protestos em Hong Kong
Os protestos realizados desde junho em Hong Kong já reuniram dois milhões de pessoas, em uma cidade onde há sete milhões de habitantes.
Além disso, esses protestos já são os maiores desde os protestos de 1989, que ocorreram em Pequim, resultando em um abafamento brutal na Praça Celestial.
Apesar de os protestos atuais serem oficialmente por conta do novo projeto de lei, que já foi suspenso, entretanto, os manifestantes agora exigem a anistia para todos os manifestantes presos, além de um inquérito independente sobre as acusações de abuso de poder policial e sufrágio universal para as eleições do chefe do Executivo e do Conselho Legislativo da região.
A situação criada pelos violentos protestos em Hong Kong pode afetar a economia da região, já que Xangai novamente passou a ser um centro internacional de finanças e negócios, ou seja, passou a competir com Hong Kong.
Os atuais protestos são maiores do que os protestos que ocorreram em 2014, que, por sinal, foram muito significativos e duraram três meses, sendo chamados de Revolução do Guarda-Chuva, quando os manifestantes tomaram as ruas de Hong Kong reivindicando por mais democracia.
Repercussão internacional dos protestos
Apesar das proporções dos protestos, até o momento, apenas EUA e Reino Unido se pronunciaram sobre o que está acontecendo em Hong Kong, o que foi classificado por Pequim como uma interferência em seus assuntos internos.
Há alguns dias, a porta-voz do Departamento de Estado norte-americano, Morgan Ortagus, afirmou que a China estava agindo como um governo "agressivo" por divulgar informações pessoais de uma diplomata norte-americana, que teria se reunido com líderes pró-democracia em Hong Kong.
Depois disso, o presidente norte-americano, Donald Trump, publicou no Twitter uma mensagem afirmando que Pequim "estava transferindo tropas para a fronteira com Hong Kong".
Em resposta, o Ministério das Relações Exteriores chinês solicitou que os norte-americanos parassem de "meter o nariz" nos assuntos internos do país asiático.
"Não é a primeira vez que expressamos nossa posição sobre esta questão. Hong Kong é um assunto da política interna da China", declarou o Ministério das Relações Exteriores chinês, ressaltando que o país novamente havia solicitado para os EUA "pararem de meter o nariz nos assuntos de Hong Kong".
Vale destacar que as relações entre EUA e China seguem tensas, tanto que os chineses acreditam que a violência durante os protestos em Hong Kong tenha sido organizada pelos EUA, para ser utilizada como pretexto para uma intervenção estrangeira.
Já alguns analistas concordam com a postura oficial chinesa.
Há muitas complexidades na atual situação em Hong Kong, uma situação muito turbulenta, onde há obviedades de interferência dos EUA, bem como de manipuladores nos bastidores dos protestos, comenta à Sputnik China o especialista do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Nanjing, Zheng Na'guang.
Em meio a toda essa tensão, outras nações ocidentais se abstiveram de comentar o assunto, contudo, a ONU recomenda cautela às autoridades ao conterem os protestos.
"Autoridades podem ser vistas atirando bombas de gás lacrimogêneo em áreas fechadas e lotadas, e diretamente em manifestantes em várias ocasiões, criando um risco considerável de morte ou ferimentos graves", disse a alta comissária da ONU para Direitos Humanos, Michelle Bachelet, em um comunicado em que pedia uma investigação sobre possíveis abusos.
O maior perigo entre as relações exteriores da China estaria relacionado à economia, que poderá sofrer um grande impacto com a erosão do volume comercial. Isso porque o comércio pode sofrer uma queda na ordem de dois dígitos, causada principalmente, pelo afastamento dos potenciais turistas devido à violência dos protestos.
Há algo que Pequim possa fazer para evitar uma revolução?
Para especialistas com postura mais orientada ao Ocidente, atualmente, Pequim parece não ter muitas opções para lidar com os protestos envolvendo Hong Kong. Uma delas, e talvez a mais provável, seria prosseguir com as detenções em massa ao mesmo tempo em que ameaça uma intervenção militar, esperando desistência dos manifestantes, ou seja, utilizaria a intervenção "para tentar assustar os manifestantes", disse à BBC, Ben Bland, pesquisador do Instituto Lowy de Sydney, na Austrália.
Além disso, Dixon Ming Sing, da Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong, afirma também à BBC que a China poderia intervir através de intervenções políticas em Hong Kong, o que pode ser um fator determinante por trás dos protestos, já que o Parlamento de Hong Kong possui uma composição favorável a Pequim.
Porém, há outros cenários de uso de poder brando.
O governo chinês também poderia utilizar o rápido desenvolvimento econômico Shenzhen e Xangai para pressionar a economia de Hong Kong, através do repasse de um investimento maior para as cidades do continente.
O líder chinês provavelmente buscará a forma mais sábia para lidar com a ameaça dos protestos e evitar, assim, uma possível revolução.