Para uns, o Teto de Gastos impede o país de investir em serviços públicos e de crescer. Para outros, é uma medida necessária para a saúde financeira do Brasil. Perto de completar três anos, há sinais de que os efeitos regra hoje tem mudado a opinião de economistas e políticos antes convictos de que esta era a melhor solução.
Um dos que defendeu a proposta foi o atual presidente brasileiro, Jair Bolsonaro (PSL), que nesta semana falou contra a regra, promulgada como Emenda Constitucional nº 95. De um dia para o outro, porém, o presidente reverteu a declaração e reafirmou compromisso com a medida.
Temos que preservar a Emenda do Teto. Devemos sim, reduzir despesas, combater fraudes e desperdícios. Ceder ao teto é abrir uma rachadura no casco do transatlântico. O Brasil vai dar certo. Parabéns a nossos ministros pelo apoio às medidas econômicas do Paulo Guedes.
— Jair M. Bolsonaro (@jairbolsonaro) September 5, 2019
Entre economistas, no entanto, a maré pode estar começando a virar. Para analisar a situação, a Sputnik Brasil conversou com o economista João Prates Romero, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Para ele, o Teto de Gastos é uma regra "extremamente restritiva", sem precedentes e que atrapalha a economia da forma que é hoje.
"Isso gera diversos problemas, tanto do ponto de vista econômico para a realização de investimento público, como também para a realização de gastos em ciência, saúde, educação, ciência e tecnologia, o que nós já estamos vendo que estão sendo cortados", afirma João Prates Romero em entrevista à Sputnik Brasil.
1/4 Escrevi no ano passado sobre a necessidade de rever o teto de gastos. A rigidez da regra levaria despesas discricionárias a serem zeradas em 2020 se não houvesse cortes em saúde, educação e gastos sociais (mesmo supondo uma reforma da previdência). 👇https://t.co/daKwhDKFDJ
— João P. Romero (@Joao_P_Romero) September 4, 2019
Romero ressalta que no resto do mundo, não há países que adotem uma regra tão restritiva como essa e que o Brasil precisa trocar os sinais.
"A revisão dessa regra para uma regra mais razoável, que siga os preceitos das regras adotadas em outros países, é fundamental", diz.
Economistas que apoiaram o teto estão mudando de ideia?
Durante a semana, gerou discussão uma proposta de reforma do Teto de Gastos feita através de um artigo do BNDES, assinado pelos economistas Fábio Giambiagi e Guilherme Tinoco de Lima. Ambos defenderam a medida no passado, mas hoje a consideram inviável.
Questionado sobre os aspectos da proposta, João Prates Romero afirmou que se trata de um avanço, apesar de alguns problemas.
"Eu vejo com bons olhos essa proposta, o Giambiagi e o Tinoco são notórios defensores do teto, então acho que é importante esse posicionamento que indica que eles estão revendo essa avaliação", aponta.
Para o economista, a proposta precisa melhorar e incluir pontos como o chamado gasto real, ou seja, que não haja apenas uma correção da inflação no orçamento, como está definido hoje pelo teto de gastos. Além disso, Romero prega que investimentos em áreas como saúde e educação voltem a ser vinculados ao crescimento da economia.
"Se no futuro a receita crescer, essa receita não vai gerar crescimento do gasto com saúde e educação. Isso é um problema sério do Teto de Gastos que ao meu ver deveria ser revisto", argumenta.
A visão do economista, no entanto, reconhece a existência de um problema fiscal no Brasil e a importância de medidas para reverter a situação.
"O problema fiscal é grave, precisa ser resolvido exatamente para permitir que a gente possa lidar com outros problemas. A questão é como resolver esse problema" , diz.
Para esse ajuste, no entanto, Romero não acredita que o caminho dos cortes seja o mais interessante.
"Ajuste fiscal é diferente de corte de gastos. Porque eu posso fazer um ajuste fiscal mantendo o crescimento do gasto, contanto que a receita seja maior que o gasto", assevera.
Teto de gastos é entrave para crescimento do PIB
João Prates Romero explica que a aplicação de cortes e limitação de gastos governamentais é um entrave para o crescimento econômico.
"A questão é como fazer a receita crescer. E é aí que está o problema. Porque todos esses cortes de gastos realizados pelo governo [...] dificultam o crescimento da economia", aponta.
Em 2019, o governo federal tem assumido uma postura de cortes em diversas despesas, como é o caso da educação, do meio ambiente e também do estímulo à privatização de empresas.
Para o economista, o cenário econômico demanda estímulo e não a restrição acentuada que impõe o teto de gastos.
"Sobretudo em uma situação de crise onde o consumo está estagnado, as empresas estão com capacidade ociosa, o desemprego está elevado, então de onde vai vir o estímulo para a economia crescer?", questiona.
Ainda há muita confusão sobre a questão fiscal do Brasil. É fundamental entender q pode haver ajuste fiscal mesmo com crescimento de gastos. Basta q a receita cresça mais q os gastos. Pra isso acontecer, é preciso haver crescimento. Esse é o nosso problema real. https://t.co/70akKZj4zd
— João P. Romero (@Joao_P_Romero) September 4, 2019
Romero recorda que o governo federal tem depositado suas fichas na austeridade como forma de incentivar investimento.
"O governo tem apostado na confiança dos empresários via as propostas de reforma, e isso parece que já está ficando claro que não vai acontecer", aponta.
Ao longo do ano, os resultados da economia mostram uma recuperação lenta e com oscilações. É o caso do PIB, que ameaça recuar novamente no 3º trimestre.
O economista da UFMG entende que é um papel do governo garantir que a economia seja estimulada com investimentos.
"Se não tiver algum estímulo para a demanda crescer e a demanda estimular o investimento privado, é difícil que a gente retome o crescimento", explica o economista, concluindo que "a retomada do investimento público é fundamental para retomar o crescimento e com isso puxar a recuperação das receitas".