A morte de uma menina de 8 anos no Rio de Janeiro na sexta-feira (20) durante uma ação policial no Complexo do Alemão gerou comoção nacional. E provocou um debate sobre o excludente de ilicitude, que faz parte do projeto sobre segurança pública enviada pelo governo de Jair Bolsonaro para o Congresso.
Embora o pacote de Moro não mencione as forças de segurança como beneficiárias específicas da proposta, especialistas afirmam que a lei seria aplicada em casos de ações policiais como a que resultou na morte de Ágatha Vitória Sales Félix. Segundo o novo projeto, juízes poderão “reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se o excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção."
Segundo Pantaleão, que é especializado em Direito Penal e Processual Penal, é desnecessário alterar a legislação vigente. “Essa situação de reconhecimento de legítima defesa a policiais já está abraçada na nossa legislação penal, que estabelece os requisitos de legítima defesa. Esses requisitos alcançam não só pessoas civis, mas também militares. Ao meu ver, não é necessário uma proteção adicional, além daquela que já existe. Os requisitos são muito bem definidos na nossa legislação”, afirmou à Sputnik Brasil.
Ágatha foi assassinada quando voltava para casa com a mãe, no Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio. Familiares denunciam que ela foi morta por um disparo feito por um policial militar quando não havia confronto na região.
Caso de Ágatha cria disputa entre Moro e Maia
"Devemos analisar caso a caso. Mas um disparo a esmo jamais deve ocorrer. Isso demonstra despreparo do policial que está naquela situação, por mais que tenhamos consciência da situação de extremo estresse emocional. Por isso a relevância de um preparo técnico e psicológico", disse Pantaleão à Sputnik Brasil.
O caso fez o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), comentar no Twitter sobre o pacote anticrime do governo: "É por isso que defendo uma avaliação muito cuidadosa e criteriosa sobre o excludente de ilicitude que está em discussão no Parlamento".
Pouco depois, o ministro da Justiça saiu em defesa de seu projeto. "Lamentável e trágica a morte da menina Agatha. Já me manifestei oficialmente. Os fatos têm que ser apurados. Não há nenhuma relação possível do fato com a proposta de legítima defesa constante no projeto anticrime", afirmou Moro, também pelo Twitter.
O grupo de trabalho da Câmara que avalia as mudanças na legislação penal e processual deverá concluir a análise do pacote nesta terça-feira (24). De acordo com relator da análise, Capitão Augusto (PSL-SP), a ampliação do excludente de ilicitude do pacote não tem relação com o caso da menina Ágatha.
"Uma coisa não tem absolutamente nada a ver com a outra. Dizer que os policiais seriam beneficiados nesse caso é uma aberração, uma covardia", disse ele, segundo publicado pelo site da Câmara. Segundo o deputado, a medida seria aplicada para beneficiar civis. "Policial não tem medo nem surpresa nem violenta emoção. Essa regra se aplica a civis. O policial é treinado para lidar com essas situações", afirmou.
Para Leonardo Pantaleão, o projeto precisa de reparos. "A expectativa é de que o pacote sofra no mínimo reparos. As hipóteses que ele prevê, de violenta emoção e evento surpresa, já estão contempladas como atenuantes de pena. Os policiais podem perfeitamente se adequar às regras gerais vigentes".
O advogado ressaltou ainda que, ao contrário do que muitos pensam, o Código Penal não está ultrapassado. "Ele foi feito em 1940, mas, desde então, sofreu inúmeras alterações". Pantaleão lembrou também que a legítima defesa acaba no momento em que o agressor foi contido. "Qualquer ato praticado após esse momento está além da legítima defesa", disse.