Ditadura entra na pauta portuguesa com construção de museu 'sobre Salazar'

A construção de um museu em Santa Comba Dão, na região central de Portugal, tem gerado polêmica no país. A cidade é a terra natal de António de Oliveira Salazar e há protestos contra a obra, que está sendo considerada um museu sobre o ditador.
Sputnik

O projeto é para a construção do Centro Interpretativo do Estado Novo, regime político caracterizado pelo governo ditatorial de Salazar. As intervenções no prédio que vai receber o museu foram iniciadas no mês de agosto e as opiniões no país permanecem divididas. Uma petição pública on-line, criada por ex-presos políticos, ativistas e intelectuais, arrecadou mais de 17.700 assinaturas contra a obra, que foi categorizada como um "centro de romaria para os saudosistas" da ditadura.

O presidente da Câmara Municipal de Santa Comba Dão contesta os argumentos. "O que pretendemos construir é um centro interpretativo que relate, que mostre tudo aquilo que aconteceu durante este período, nunca faremos um museu que faça apologia a Salazar", diz à Sputnik Brasil Leonel Gouveia.

De acordo com o presidente, o projeto vai integrar uma rede cultural sobre outros períodos históricos da política nacional que também possuem figuras de destaque, "no sentido de criar um território que se torne atrativo do ponto de vista do turismo". "Esta é uma região de baixa densidade, está entre o interior e o litoral. Pretendemos possibilitar que se usufrua também das paisagens, das praias fluviais, portanto que se possa ir além do interesse histórico e cultural e também possam usufruir dos equipamentos de lazer", explica Leonel Gouveia.

Desejo de criação de museu não é de agora

António de Oliveira Salazar governou Portugal de 1930 a 1968 e criou o regime do Estado Novo.

"Durante o período, principalmente entre os anos 30 e 40, foram anos de mais violência. A partir de 1945, as coisas internacionalmente acalmam um pouco e torna-se uma ditadura mais ajustada ao período histórico que vivia. É um regime autoritário, que reprime a sua oposição, que institui a censura. Salazar foi a figura central de uma das ditaduras mais longas da Europa no século XX", explica à Sputnik Brasil Filipa Raimundo, pesquisadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

A pesquisadora diz que a ideia de se criar um equipamento relacionado ao Estado Novo em Santa Comba Dão é antiga e já passou por governos de posições políticas diferentes. Para Filipa Raimundo, as divergências são fruto da falta de informação sobre o projeto. "À esquerda as pessoas serão sempre contra, não é? Há uma parte das reações que tem a ver com a incerteza sobre o conteúdo, sobre o que terá o museu."

Museu que divide autoridades

O protesto contra o projeto encontra espaço no parlamento. No último dia 11, deputados aprovaram um voto de condenação à instalação do museu durante sessão na Assembleia da República. De acordo com o texto aprovado, o projeto é "uma afronta à democracia, aos valores democráticos" e uma "ofensa à memória das vítimas da ditadura".

Ditadura entra na pauta portuguesa com construção de museu 'sobre Salazar'

O presidente da câmara rebate a posição do parlamento. "Aquilo que foi votado não é aquilo que vai ser feito. Eu entendo que há uma manipulação da opinião pública relativamente a algo que não existe, não existiu, nem vai existir, que é a criação de um museu de apologia a Salazar. Isso foi devidamente esclarecido, as pessoas continuam de orelhas moucas, não querendo entender aquilo que vai devidamente se fazer."

Raízes de ditador

O museu de Santa Comba Dão vai ser instalado no prédio de uma antiga escola primária que leva o nome do ditador, fica ao lado de uma das casas onde Salazar viveu e a poucos quilômetros do cemitério onde está enterrado. Um "conjunto" que gera apreensão, mas que, para a pesquisadora, não deve funcionar como centro de romaria para nacionalistas.

"É um receio que é natural que exista, eu não vejo que tenha fundamento por várias razões. Por razões geográficas, é uma cidade longe dos centros urbanos. Há um debate semelhante a acontecer na Itália, na cidade natal de Mussolini. Qual é a grande diferença? Em Predappio, a casa de Mussolini era uma casa com imponência e simbolismo, porque da varanda dessa casa Mussolini discursava. O equivalente não existe em Portugal. Santa Comba Dão, para além do nome, não faz parte do imaginário", diz Filipa Raimundo.

Inaugurada em 1940, a Escola Cantina Salazar preserva as características antigas. Neste momento, estão sendo feitas obras de requalificação do edifício, no valor de 150 mil euros (686 mil reais), com previsão para acabar até dezembro. Os conteúdos que vão ser apresentados no museu estão sendo elaborados pelo Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra, uma das instituições de ensino mais conceituadas do país.

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