No último dia 5, o governo federal lançou esse projeto com o objetivo de melhorar a qualidade da educação básica do país. A ideia é que sua implementação seja feita aos poucos, a fim de atingir até 216 colégios até 2023. As regiões que apresentam situações de vulnerabilidade social e baixos Índices de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) terão preferência.
Desde o anúncio do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim), feito pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub, e pelo presidente Jair Bolsonaro, várias autoridades e especialistas já se manifestaram contra a ideia. Uma das críticas mais contundentes partiu da Comissão Permanente de Educação (Copeduc) do Grupo Nacional de Direitos Humanos (CNDH), que acusou a iniciativa de ferir os princípios da reserva legal, da gestão democrática do ensino público e da valorização dos profissionais da educação.
Por outro lado, há também quem defenda o modelo, como a Secretaria de Educação de Goiás, estado onde ele já é aplicado. Em recente entrevista ao Estadão, a secretária Fátima Gavioi afirmou que esse tipo de gestão é visto como um caso de grande sucesso, marcado por um sistema de organização e metodologia diferenciados.
O processo de adesão ao Pecim é voluntário e são os estados que definem quais escolas devem fazer parte do programa. Mas nem todas as unidades da federação demonstraram interesse em fazer parte do mesmo.
Para a especialista em educação Denise Carreira, da Universidade de São Paulo e coordenadora da ONG Ação Educativa, o programa apresentado pelo governo vai na contramão dos princípios constitucionais e das necessidades da sociedade brasileira e do mundo contemporâneo, ao se concentrar em uma educação pautada pela obediência, disciplina e ordem hierárquica.
Em entrevista à Sputnik Brasil, a pesquisadora argumenta que a sociedade está passando por um momento no qual há uma necessidade de se pensar novos paradigmas, demanda que estaria ligada a um modelo de escola que indague, que pesquise e que dê espaço para dúvida.
"A maior parte dos setores populares vai ter acesso a uma educação de baixa qualidade, focada na obediência, na disciplina, e setores da elite é que vão poder continuar acessando e construindo determinados conhecimentos", afirma Carreira. "Então, a proposta vai na contramão dos processos de democratização da educação pública brasileira."
A especialista acredita que o Pecim também se alimenta de uma realidade cada vez mais marcada pelo desespero, pela crise econômica, pelo medo e pela insegurança. Segundo ela, o país estaria vivendo uma desconstrução das políticas sociais, e, nesse cenário e a partir de uma perspectiva manipuladora, o governo se propõe a trazer uma solução autoritária para essa crise.
"Tudo isso gera todo um clima muito favorável a soluções autoritárias de curto prazo. E quero aqui destacar que os militares não são educadores, não são preparados para ser educadores. O que o programa, na verdade, também ataca frontalmente é a profissão docente", explica a professora, citando articulações com movimentos como o Escola sem Partido e movimentos fundamentalistas religiosos, que atacam o papel dos profissionais da educação.
Ainda de acordo com Denise Carrera, a proposta das escolas cívico-militares também estaria vinculada a uma reação à chamada ideologia de gênero e a outras pautas similares desqualificadas por grupos conservadores.
"Nas experiências concretas, esse programa normalmente vem associado à imposição de um modelo do que é ser menina, do que é ser menino. Há toda uma imposição também de uma masculinidade hegemônica, que é totalmente contrária aos avanços dos direitos das meninas e mulheres, dos direitos da população LGBT", sublinha a especialista. "Eu entendo que realmente é um gigantesco retrocesso uma proposta dessa", acrescenta ela, defendendo o fortalecimento das escolas públicas sintonizadas com a Constituição, a Lei de Diretrizes e Bases e o Estatuto da Criança e do Adolescente.