O presidente Jair Bolsonaro sancionou no fim de setembro (27), com vetos, o projeto de lei que alteraria as regras eleitorais (PL 5029/19), que foi rotulado de "antirreforma" e de "desmonte das regras eleitorais". Segundo os críticos, a medida visava possibilitar o uso sem controle do dinheiro público nas eleições.
O texto (Lei 13.877/19), que valerá para as eleições do ano que vem, foi aprovado pela Câmara dos Deputados no último dia 19, após ter sido modificado no Senado. No entanto, os pontos vetados deverão ser reanalisados por deputados e senadores, em sessão do Congresso.
Em relação ao Fundo Partidário, foi vetada a utilização de recursos para o pagamento de juros, multas, débitos eleitorais e demais sanções aplicadas por infração à legislação eleitoral ou partidária, incluídos encargos e obrigações acessórias.
Foi mantida, no entanto a autorização para que os recursos do Fundo Partidário sejam usados para serviços de consultoria contábil e advocatícia, inclusive em qualquer processo judicial e administrativo de interesse partidário ou de litígio que envolva candidatos do partido, eleitos ou não, relacionados exclusivamente ao processo eleitoral.
O ponto de destaque, no entanto e como sempre, foi o dinheiro. O projeto de lei do orçamento (PLOA 2020), enviado pelo governo Bolsonaro, destina R$ 2,54 bilhões para as eleições municipais, um aumento de 48% em comparação ao pleito de 2018 (R$ 1,72 bilhão). Os deputados queriam R$ 3,7 bilhões.
Venceu o meio termo. Um meio termo um tanto polpudo, para alguns críticos.
Orçamento
Para uma comparação, esse valor adicional bancaria quase três anos de orçamento da Defensoria Pública Federal (R$623,1 milhões), o funcionamento anual, com sobras, do Superior Tribunal de Justiça (R$1,644 bilhões), as comunicações do governo por um ano (R$ 1,5 bilhão), quase o orçamento federal para cultura (R$1,9 bilhão) e pelo menos 3 anos de verba federal para saneamento (R$458,8 milhões), segundo o Orçamento Federal de 2019, disponível no portal da Transparência.
Em um ano em que os recursos federais para garantir a fiscalização e licenciamento ambiental consumiram R$ 128,3 milhões, o turismo interno recebeu R$ 255,7 milhões para o seu desenvolvimento, a manutenção dos postos diplomáticos no exterior custou R$ 856,9 milhões, e a Polícia Federal recebeu R$ 1.314 bilhão, os gastos de um governo que se declara contra a política partidária com os partidos não serão pequenos.
Contradição
Para o cientista político e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), André Rodrigues, que conversou sobre o tema com a agência Sputnik Brasil, essa é uma contradição inerente ao governo Bolsonaro.
Uma das plataformas eleitorais do governo foi o discurso "contra a política tradicional". No entanto, a política partidária tradicional é a base do governo, e está em um conflito constante com o personalismo representado pela figura do presidente.
"É uma tensão do início do governo atual e que vai prevalecer por muitas rodadas", disse o professor.
"O governo foi apoiado o tempo inteiro por setores muito tradicionais da política, como alguns partidos à direita, como a própria grande mídia, que durante a campanha fez o papel de normalizar o presidente e colocá-lo no mesmo patamar do Haddad, como se o PT fosse um partido de extrema esquerda", disse o cientista político.
Por isso, mesmo com o discurso contrário à política partidária, muitas vezes o presidente Bolsonaro acaba cedendo à pressão do legislativo.
De todo modo, para o interlocutor da Sputnik, outros vetos tendem a ser mantidos pelo senado, apesar de ser difícil fazer uma previsão das prioridades no Congresso.
"É muito difícil avaliar com precisão os fatores que influenciam o andamento das agendas das casas legislativas. Têm muitas questões que atravessam isso, muitas agendas que tramitam paralelamente, que viram prioridade ou não. Sem dúvida, mexer nas regras eleitorais tão próximo ao ano de eleições é delicado para os legisladores que podem ficar com suas imagens vinculadas à prática de legislar em causa própria", concluiu.