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Créditos extras e déficit em queda: como Brasil pretende fechar as contas de 2019?

A pouco mais de dois meses do fim de ano, a economia brasileira ainda ensaia uma retomada mais lenta do que muitos esperavam. A Sputnik Brasil traz uma análise de alguns dos principais esforços do governo para equilibrar as contas.
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Na última terça-feira, 15, o Senado Federal aprovou um projeto de lei sobre a distribuição da receita oriunda do megaleilão do pré-sal, marcado para o próximo dia 6. Dos R$ 106,5 bilhões que o governo espera arrecadar, R$ 10,9 bilhões irão para os estados e outros R$ 10,9 bilhões vão para os municípios, enquanto a Petrobras receberá R$ 33,6 bilhões pela revisão do contrato de cessão onerosa.

Além de representar um certo alívio para as contas da União, a aprovação do projeto, por unanimidade, abre caminho para a votação em segundo turno, no próximo dia 22, da Reforma da Previdência, grande aposta do governo para recuperar a economia. 

​A expectativa em torno de um novo cenário econômico após essa aprovação já foi suficiente para animar o mercado na manhã de ontem, com o Ibovespa Futuro abrindo em leve alta apesar de incertezas políticas ligadas à crise entre o presidente da República, Jair Bolsonaro, e seu partido, o PSL, cuja liderança na Câmara foi reivindicada pelo deputado Eduardo Bolsonaro, seu filho, na noite passada. 

Em meio a promessas de mais dinheiro em caixa, o governo enviou, só nesta semana, 18 pedidos de créditos para ações já previstas no Orçamento e também para novos atos, totalizando R$ 41 bilhões, incluindo o valor a ser pago à Petrobras. Os recursos em questão deverão vir justamente da arrecadação do megaleilão, responsável por uma nova onda de otimismo no Ministério da Economia. 

Déficit de R$ 80 bilhões?

Apesar das alarmantes taxas de desemprego, das críticas aos contingenciamentos, da previsão de crescimento do PIB em 0,9% e de outros indicadores não muito animadores, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tem procurado manter um certo otimismo com a possível retomada do equilíbrio fiscal que, em tese, deixaria o país em condições de crescer de maneira significativa novamente. 

​Prova concreta desse otimismo foi a aposta que fez de que o governo Bolsonaro conseguiria zerar o déficit público já em 2019, após cinco anos seguidos de contas no vermelho. Isso seria possível, segundo ele, se a União ficasse com toda a receita do megaleilão do petróleo excedente da cessão onerosa. Mas, devido ao acordo costurado com o Congresso, isso não deve acontecer este ano.

Ainda assim, hoje, Guedes acredita que será possível fechar o ano com um déficit de R$ 80 bilhões, abaixo da meta fiscal aprovada de R$ 139 bilhões. Isso porque, conforme notícia publicada no blog de Valdo Cruz, no G1, o ministro espera que pelo menos R$ 20 bilhões cheguem aos cofres do Tesouro Nacional. Sem esse valor, o rombo previsto seria de R$ 100 bilhões, também abaixo da meta fiscal.

Governo conseguirá zerar o déficit no médio prazo?

Maria Beatriz de Albuquerque David, professora da Faculdade de Ciências Econômicas (FCE) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e coordenadora executiva do Centro de Estudos de Estratégias de Desenvolvimento (CEDES) da mesma instituição, acredita que, assim como o governo não conseguirá zerar o déficit público neste ano, o mesmo não deve acontecer em 2020.

Em entrevista à Sputnik Brasil, a especialista explica que, dado o grande volume de despesas obrigatórias — que devem chegar a 94% dos gastos do governo federal no ano que vem —, a grande alternativa do governo seria tentar a desvinculação dos gastos, o que exigiria um apoio do Congresso maior do que o atual, "muito bem articulado", já que isso afeta diretamente interesses de "estados, municípios, das corporações e da população como um todo". 

Segundo ela, a ideia que foi vendida é a de que a Reforma da Previdência seria capaz de "resolver tudo isso, o que também não é verdade". 

"Ela [a reforma] vai diminuir o gasto em Previdência, mas em um período longo, de dez anos, em que também não vai zerar tudo. Porque tem muitas empresas que devem à Previdência e não pagam e tem que haver um esforço de arrecadação muito elevado também, e não tem nada sendo feito nessa área", afirma.

Para a economista, a grande vantagem para a economia no momento, o megaleilão da cessão onerosa, nem é mérito dos esforços adotados pela atual administração, mas, sim, uma "herança do governo Lula", já que o excedente a ser vendido em novembro resulta do fato de a área do pré-sal ter um potencial maior do que os 5 bilhões de barris que a Petrobras ganhou o direito de explorar e do acordo firmado entre a empresa e o governo petista em 2010.

"Foi uma vantagem do Lula e um erro do Lula. Que não tem nada a ver com esse governo. Mas é ele que vai ser o ganhador disso, porque o dinheiro vai entrar agora", declara a acadêmica, destacando que, caso as empresas tivessem começado a explorar esse petróleo há alguns anos, talvez, elas já tivessem pago altos valores à União em impostos, aumentando o dinheiro em caixa. 

Albuquerque acredita que o governo Bolsonaro tem tentado liberar o máximo de recursos para poder gastar como quiser, com maior flexibilidade, usando principalmente os contingenciamentos. Na falta de uma estratégia mais clara para aumentar a arrecadação e "enquanto não mudarem as despesas obrigatórias", essa deverá seguir como a principal arma da equipe econômica. 

​"De fato, você [o governo] está dizendo: 'Quem faz o Orçamento sou eu, e não o Congresso'", resume a especialista. "O Teto de Gastos amarra mais ainda a situação. Mas mexer no Teto de Gastos hoje, para um governo que se diz liberal e que diz que está atendendo o mercado, cairia muito mal. Agora, o Teto, realmente, o que fez o [Michel] Temer foi amarrar completamente os próximos governos. E derrubar o Teto seria, para as forças do livre mercado, um sinalizador muito ruim. Tanto que ele tentou fazer isso e recuou."

Créditos extras, cortes e salários sem aumento real em 2020

Entre as previsões orçamentárias para o ano que vem, o governo acredita que precisará de R$ 367 bilhões em crédito extra para financiar despesas públicas, conforme o projeto apresentado no final de agosto. No último Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), esse crédito foi de R$ 248 bilhões. 

Embora o Orçamento de 2020 ainda esteja em tramitação no parlamento, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), aprovada na semana passada, dá algumas indicações importantes sobre o que esperar do próximo ano em termos de investimentos e economias. Um dos pontos mais polêmicos é o relativo ao salário mínimo, que deverá deixar de ter aumento real. 

​Desde o primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o mínimo vinha sendo reajustado com base na inflação calculada pelo Índice de Preço ao Consumidor Amplo (IPCA) e o Produto Interno Bruto (PIB) dos dois anos anteriores, o que permitia aumentos reais em caso de crescimento. Se confirmada a proposta atual, o reajuste terá como base apenas o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), o que, na prática, congela os salários, segundo críticos.

Em defesa da proposta, aliados do governo afirmam que a medida é necessária para reduzir o custo do Estado e atrair investimentos do setor privado. Entretanto, opositores argumentam que isso deixará os trabalhadores mais pobres e ainda tirará bilhões de circulação no ano que vem, já que 2018 teve variação positiva do PIB. 

Além da política salarial, também devem sofrer com cortes, de acordo com o projeto enviado pelo governo ao Congresso, Educação, Saúde, Defesa, Turismo, Infraestrutura, Direitos Humanos, Minas e Energia, Meio Ambiente, Desenvolvimento Regional, Cidadania, Agricultura, Justiça, Relações Exteriores, Controladoria-Geral da União, Economia, Presidência e Vice-Presidência.

Levando em conta o Teto de Gastos, o Orçamento previsto para o ano que vem é de, aproximadamente, R$ 1,454 trilhão, valor 3,37% superior ao aprovado para 2019. 

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