Empossado no último sábado (26) para mais quatro anos de governo, depois da vitória do Partido Socialista nas eleições de 6 de outubro, António Costa e seu novo gabinete entregaram no mesmo dia o programa de governo.
No documento, ao referir questões para imigração, o governo reforça que "Portugal precisa, para sustentar o seu desenvolvimento, tanto no plano econômico como no demográfico, do contributo da imigração".
Entre uma série de propostas para facilitar a entrada e integração dos imigrantes no país está a previsão de "rever o regime de autorização de residência para investimento, que passará a ser dirigido preferencialmente às regiões de baixa densidade, ao investimento na criação de emprego e na requalificação urbana e do património cultural", lê-se no programa.
Foco em imóveis
O regime para concessão das ARI entrou em vigor em 2012 e foi criado pelo governo para atrair capital para o país e impulsionar a recuperação financeira depois da crise.
Existem oito formas possíveis de investimento. A criação de postos de trabalho em território português e a requalificação de patrimônios urbanos e culturais já fazem parte do programa. No entanto, a opção preferida é a compra de imóveis, que gerou mais de 90% dos quase cinco bilhões de euros arrecadados pelos vistos gold desde a criação.
"As imobiliárias reformularam a sua forma de atuar para angariar estes investidores estrangeiros. As que têm imóveis de alto valor têm uma equipe organizada, que oferece até gratuitamente ao cliente a possibilidade de pedir o golden visa. Considerando as taxas que são pagas, o governo tem dificuldade em convencer pessoas que, às vezes, não têm tanto valor para o investimento a investir em uma empresa, a criar empregos e a pagar uma taxa de cinco mil euros para obter um golden visa nessa modalidade", explica à Sputnik Brasil o advogado Célio Sauer, especialista em imigração e finanças.
Atualmente, pela recepção e análise do pedido são cobrados 532 euros (2.414 reais) e pela emissão das ARI depois de aprovadas são mais 5.324,60 euros (24.170 reais).
Para o advogado, a intenção do governo de rever o regime também é resultado de cobranças políticas. Mesmo tendo sido aliados do Partido Socialista pelos últimos quatro anos, o Bloco de Esquerda, o Partido Comunista Português e o Partido Ecologista os Verdes aprovaram a recomendação do Parlamento Europeu para o fim dos programas de visto gold, feita no início deste ano, e pretendem cobrar a medida em Portugal.
"O ramo imobiliário encontrou no estrangeiro um especulador, uma pessoa interessada em obter esse visto sem a necessidade de estar presente fisicamente em Portugal, para vir aqui eventualmente por sete ou 14 dias, mas que mantém uma residência ativa para, no futuro, fazer o pedido da nacionalidade. O governo já estava atento a essa situação. Alguns blocos políticos acabaram se mostrando contrários a esse processo, que é muito facilitado para quem tem dinheiro e quem não tem, às vezes, passa por situações constrangedoras na fila do SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras)", analisa o advogado Célio Sauer.
Brasileiros lideram
De janeiro a setembro deste ano, o visto gold foi responsável pelo investimento de mais de 132 milhões de euros de brasileiros em Portugal. O montante significa crescimento de 46% com relação ao mesmo período de 2018 e consolida os brasileiros como principal grupo investidor. Os chineses continuam na segunda colocação, mas reduziram o valor dos investimentos em 11% até agora. Os turcos, que ocupam a terceira posição, mostram redução de 48% até agora.
Para a consultora imobiliária Marianna Oliveira, que atua em Lisboa, os brasileiros encontraram no visto gold uma solução prática para viver no exterior.
"Os brasileiros que vêm estão realmente procurando uma forma de se legalizar no país. O que percebo é que a maioria dos que compram vêm mesmo para viver aqui e os de outras nacionalidades não, é mais como investimento, porque Lisboa está na moda e Portugal é um país seguro. Os brasileiros encontraram uma forma de mudar de país, de melhorar a qualidade de vida", explica a consultora à Sputnik Brasil.
Há uma indicação de que o governo poderá direcionar os investimentos para fora dos grandes centros urbanos, como as cidades de Lisboa e Porto. Para a consultora, a medida não deve afetar o interesse de quem quer morar em Portugal.
"Eu tenho contato com pessoas que estão ainda no Brasil e acabam me procurando ainda de lá, não necessariamente para compras só pelo visto gold, e vejo que o foco é Lisboa, Porto, no máximo em Braga. Não vejo ninguém indo para o Alentejo, por exemplo. Não vão deixar de aderir. Se a pessoa realmente tem interesse em vir para Portugal ela pode sempre comprar uma casa em um lugar e morar em outro. Eu acho que depende muito de como o governo vai conduzir isso."
Votação
O novo programa de governo de António Costa vai enfrentar dois dias de debates no Parlamento. Para que o socialista se mantenha na função de primeiro-ministro, precisa conseguir a aprovação do plano pela maioria dos deputados.
"Queremos continuar com confiança o percurso que começamos em 2015", disse António Costa na abertura da sessão. Para os próximos quatro anos, Costa não tem acordo formal assinado com os outros partidos de centro-esquerda, como fez em 2015, mas o cenário é favorável. Nenhuma das siglas demonstrou rejeição grave às propostas de Costa, embora se mantenham firmes sobre a necessidade de algumas alterações.