As falas do presidente Jair Bolsonaro e de seu filho Eduardo contra a família do presidente eleito da Argentina e favoráveis ao candidato oposicionista à presidência do Uruguai levaram as chancelarias dos dois países vizinhos a se manifestar.
Até Lacalle Pou, que recebeu a "torcida de Bolsonaro", deixou claro seu desconforto. Como as declarações do presidente sobre questões internas de países vizinhos afetam as relações com esses países? O tom usado na campanha eleitoral de Bolsonaro e replicado nas relações exteriores poderá trazer consequências à diplomacia brasileira?
Insustentável
Creomar de Souza, Professor de Relações Internacionais e Consultor Político, destacou o componente interno de sustentação política de Bolsonaro para explicar a postura do mandatário brasileiro.
"Para presidente Bolsonaro e seu núcleo político é importante manter um constante clima de campanha eleitoral. Manter a militância atenta e aquecida em termos de debate ideológico", explicou.
Como as eleições no Brasil estão longe, seria natural reverter essa energia para os vizinhos. Por outro lado, o especialista acrescenta que o governo brasileiro acaba oferecendo armas para o presidente eleito argentino, que usará o discurso de Bolsonaro para aquecer a fogueira de sua própria militância.
"Esse clima de animosidade, se prolongado, pode ter consequências graves. Há casos quando os irmãos brigam em casa, mas eventualmente podem romper relações". Assim, no longo prazo, se animosidade esquentar a situação pode ficar insustentável.
Parceria estratégica
Segundo Maurício Santoro, cientista político, professor de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), as declarações de Bolsonaro foram muito graves e inclusive ferem a Constituição, que "proíbe a intervenção do Brasil em assuntos internos de outros países". Ou seja, os presidentes não deveriam interferir em eleições, ainda mais de países vizinhos tão importantes.
"A Argentina é o terceiro maior parceiro comercial do país, atrás somente da China e dos Estados Unidos, e principal destino de exportações industriais do Brasil. Qualquer tipo de conflito político e econômico com a Argentina tem consequências muito negativas para a economia brasileira", alertou o especialista em conversa com a Sputnik Brasil.
Assim, a crítica de Bolsonaro ao peronismo, e a resposta dos políticos argentinos, é muito preocupante. Para o professor da UERJ, esse tipo de atitude não é comum na relação bilateral entre as nações, que sempre consideraram a sua parceria como estratégica.
O professor destacou, que o presidente, no entanto, tem tentado adotar posições mais pragmáticas.
"Isso ocorreu nos últimos meses tanto com relação à China, de onde ele acabou de voltar de uma viagem bem sucedida de lá, e com os países árabes, dos quais o presidente tem buscado se aproximar, entendendo a importância desse mercado para o agronegócio brasileiro".
Dessa forma a posição do chefe de Estado brasileiro reflete uma situação que vem se ampliando na região.
"A América Latina vive um momento de polarização partidária, que tem prejudicado muito a integração regional. Ela está em recuo em praticamente todas as áreas e tem impossibilitado formulação de consensos para lidar com graves situações que a região enfrenta, como Venezuela e a dificuldade de retomar o crescimento econômico", concluiu.