Para Numa Mazat, professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), tal mudança já havia sido inaugurada durante a presidência de Michel Temer, mas está sendo consideravelmente radicalizada pelo governo de Jair Bolsonaro.
Nesta quinta-feira, o governo brasileiro votou contra uma resolução das Nações Unidas que condena e pede o fim do embargo dos Estados Unidos a Cuba. A inédita postura adotada por Brasília altera uma posição diplomática brasileira adotada desde 1992, quando a condenação do embargo foi votada pela primeira vez.
Ao todo, a resolução votada novamente na plenária da Assembleia-Geral da ONU recebeu 187 votos favoráveis, três contra (Brasil, EUA e Israel) e duas abstenções (Colômbia e Ucrânia).
A Assembleia-Geral das Nações Unidas adota esmagadoramente a resolução pedindo o fim do embargo econômico, comercial e financeiro contra Cuba.
"De fato, a política externa brasileira, desde a redemocratização, tinha sido caracterizada por uma tendência a um não alinhamento, particularmente em relação aos Estados Unidos (apesar da influência exercida sobre o país por eles). Ainda por cima, o período de governos do PT tinha sido associado a uma inflexão da política externa na direção de um maior apoio às iniciativas Sul-Sul (particularmente no caso da integração latino-americana)", declarou Mazat em entrevista à Sputnik Brasil.
De acordo com o professor, com a postura revelada hoje, o governo Bolsonaro mostra claramente que pretende colocar um fim a três "tradições relativamente enraizadas na inserção externa brasileira": não alinhamento sistemático com os EUA, solidariedade com os países do chamado Sul global e tentativa de construção de uma liderança regional "benevolente" na América Latina, "respeitando as características de cada país".
"É significativo que, nessa votação, só três países 'acompanharam' o Brasil, além dos EUA: Israel, ao votar, também, contra, e Colômbia e Ucrânia, ao se abster. Tratam-se de nações que se encontram numa dependência direta dos EUA, para ajuda militar e financeira. Pensando no espaço latino-americano, isso pode prefigurar um caminho 'colombiano', onde o Brasil se tornaria uma espécie de 'protetorado' dos EUA (como aconteceu através do Plano Colômbia)", afirma.
Para o acadêmico, tal radicalização, marcada pela exaltação de um conteúdo ideológico e por essa estratégia de "alinhamento total com os EUA nos assuntos internacionais", além de alterar a posição tradicional do Brasil, pode também "se mostrar extremamente nociva", uma vez que arrisca atrapalhar relações com importantes parceiros comerciais.