Depois de semanas de protestos e da convocação de novas eleições, a renúncia de Evo Morales ao cargo de presidente da Bolívia gerou as mais diversas reações nas Américas e no mundo em geral.
Em apoio a Evo Morales, o presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, ofereceu asilo ao ex-presidente boliviano.
A decisão de Obrador foi comentada por dois acadêmicos mexicanos em entrevista à Sputnik Mundo, Jorge Luis Santa Cruz, professor de Jornalismo na Universidade Anáhuac México, e Luis Huacuja, especialista em Relações Internacionais da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM).
Cenário Interno
De acordo com Jorge Cruz, a decisão de Labrador "abre outra frente" na política interna do México.
Recentemente, o presidente mexicano foi alvo de duras críticas da oposição devido à sua forma de lidar com o narcotráfico. Durante uma operação policial contra Ovidio Guzmán López, filho do famoso narcotraficante Chapo Guzmán, o governo mexicano decidiu liberar o homem.
O episódio se tornou polêmico, tendo as autoridades americanas sugerido o uso de suas próprias forças contra os cartéis de droga mexicanos.
Além disso, a concessão de asilo seria vista como um passo esquerdista de Obrador para a direita mexicana, segundo Jorge Cruz.
"Ao trazer Evo Morales ao México [isso] despertará inquietação não só no Partido de Ação Nacional [oposicionista], mas, provavelmente, em todo o setor da iniciativa privada, entre os empresários. A decisão de trazer Morales ao México reafirma sua [de Obrador] prioridade de uma postura pró-esquerda", disse o acadêmico.
Por sua vez, Luis Huacuja considera que a decisão de Obrador está de acordo com a política externa mexicana e reafirmaria seu compromisso de não intervenção em outros países e proteção dos direitos humanos.
Além disso, Huacuja vê a concessão de asilo como um evento extraordinário quando teve lugar "uma intervenção militar".
Segundo Huacuja, a intervenção "é um fato patente que não deixa margem para dúvidas".
O especialista também acredita que o asilo proposto a Evo Morales seria "uma postura firme contra o golpe de Estado" na Bolívia.
Repercussão nos Estados Unidos
Ainda segundo Jorge Cruz, o asilo de Evo Morales poderia trazer consequências negativas nas relações entre o México e os EUA.
Um dos pontos de possível retaliação, segundo o especialista, seria o Acordo Estados Unidos-México-Canadá (T-MEC), substituto do Nafta.
"Os meios de pressão de Trump contra o México incluem não apenas a ratificação do Tratado entre o México, Estados Unidos e Canadá, mas também a possibilidade de impor tarifas às importações mexicanas", afirmou Jorge Cruz.
O acadêmico também vê a construção do muro na fronteira entre ambos os países como uma ameaça cada vez mais real e que poderia ser usada contra o governo de Obrador.
Contudo, Huacuja avança uma ideia diferente sobre a reação americana. Segundo ele, o T-MEC não seria afetado por duas razões.
"Primeiro porque é um tratado evidentemente comercial. Segundo, porque o México já já fez o que tinha a fazer, aprovando o tratado. Neste sentido, não acho que haja uma ligação entre estas suas coisas", disse Huacuja.
OEA
As crises recentes na Bolívia e Venezuela focalizaram as atenções do mundo político na OEA, assim como na influência da organização nas questões internas dos Estados americanos.
De acordo com Jorge Cruz, a OEA tem vivido uma clara desunião, existindo países alinhados ao bloco "evangélico sionista", encabeçado por Trump, com a Guatemala, Honduras e El Salvador como seus expoentes, e países que se orientam por uma visão mais "global", como a Venezuela.
Para o acadêmico, o segundo bloco seria fortemente influenciado pelo multimilionário americano George Soros.
De qualquer forma, para Huacuja, o poder de influência da OEA tem sido diferente na Bolívia e na Venezuela.
Segundo ele, apesar da OEA não ter conseguido "derrotar o presidente Nicolás Maduro na Venezuela", após apontar supostas fraudes nas eleições bolivianas do último dia 20, "insistiu na renúncia de Evo Morales na Bolívia".
Todavia, as próximas eleições nos EUA deverão ser um fator determinante na política de Washington e na posição da OEA quanto à questão boliviana, afirma o acadêmico.
"Se o presidente Donald Trump conseguir sua reeleição, provavelmente a OEA terá maior preponderância em outros países, como a Nicarágua. Se Donald Trump sair da Casa Branca, não me atrevo a vislumbrar o futuro da entidade [OEA]. Tudo depende de quem vier a ocupar a Casa Branca", concluiu o especialista.