Isso fez com que Morales perdesse o apoio dos militares e a crise se aprofundasse. A Sputnik explica como o país foi influenciado e o que levou Morales a renunciar ao cargo.
Cronologia da crise boliviana
Evo Morales estava na presidência da Bolívia desde 2006, sendo o líder que mais tempo esteve no cargo na história do país. A possibilidade de reeleição para dois mandatos consecutivos de cinco anos cada foi definida através de uma mudança constitucional aprovada em 2009, permitindo que ele disputasse a reeleição de 2010 e 2014.
Os problemas de Morales começaram em 20 de outubro, quando o Supremo Tribunal Eleitoral (STE) suspendeu a contagem dos votos, no momento em que a apuração estava próxima do fim e indicava o segundo turno entre Morales e Mesa. Entretanto, quando a contagem foi reiniciada no dia seguinte, a mesma indicava que Morales venceria no primeiro turno.
A partir de então, surgiram as suspeitas de fraude nos resultados apontados pelo STE, causando revolta na população, que se mobilizou nas ruas. Posteriormente, um relatório da Organização dos Estados Americanos (OEA) concluiu que houve manipulação de votos. Como consequência, o órgão solicitou que a reeleição de Morales fosse anulada e que uma nova eleição fosse realizada.
Morales havia aceitado uma nova eleição e a substituição de todos os membros do STE. Entretanto, Juan Lanchipa, procurador-geral do país, iniciou a investigação por crimes comuns, eleitorais e de corrupção contra membros do STE, o que provocou a renúncia de diversos ministros e políticos ligados a Morales. Perante a situação, Morales seguiu seus apoiadores e renunciou ao cargo juntamente com seu vice-presidente, Álvaro García Linera, que afirmou que "o golpe de Estado havia sido consumado".
Por que Maduro continua no poder e Morales não?
Ao contrário do cenário venezuelano, os militares da Bolívia teriam apoiado a oposição, pedindo que Morales deixasse o poder para garantir a estabilidade no país.
O diretor do Instituto da América Latina da Academia de Ciências da Rússia, Vladimir Davydov, explicou à Sputnik que há uma grande diferença entre a Bolívia e a Venezuela, já que o Exército venezuelano se mostrou leal ao presidente Maduro, o que não ocorreu na Bolívia.
"Há uma diferença significativa [entre Bolívia e Venezuela]. O Exército continua sua posição de lealdade a Maduro na Venezuela, e no caso da Bolívia isso não aconteceu [...]", afirmou o especialista.
O especialista ainda ressaltou que a mentalidade e a vontade política do presidente Nicolás Maduro não serão afetadas pela crise boliviana e que os eventos na Bolívia e no Chile são exemplos de ação multidirecional, o que mostra o crescimento do papel do Exército como instituição na América Latina.
Futuro da Bolívia
De acordo com o professor de Economia Política da UFRJ Eduardo Crespo, a Bolívia vive um vácuo de poder e há três cenários possíveis para o futuro boliviano.
O primeiro, considerado como "improvável, embora atualmente nada seja impossível na América Latina", seria os militares assumirem o comando do governo.
Já o segundo cenário seria a convocação de novas eleições sem a presença do partido de Evo Morales, o que tornaria quase impossível a realização das eleições, já que o partido representa metade da população.
"Seria muito complicado realizar eleições sem a presença de metade da população [...]", afirmou Crespo.
Enquanto que o terceiro cenário seria a realização de um novo pleito com a participação do Movimento para o Socialismo (MAS), o que Crespo acredita ser a opção mais sábia para o país.
Lítio, a riqueza boliviana
O lítio faz parte do projeto mais importante do país, que visa a construção da primeira instalação industrial de exploração do precioso material.
O Salar de Uyuni é um deserto branco de sal de 12 mil quilômetros quadrados no sul da Bolívia, onde o metal volátil é encontrado em abundância, em um mar de água e cloreto de sódio.
Vale ressaltar que Bolívia, Chile e Argentina possuem 75% de todas as reservas mundiais de lítio, onde o Chile é o principal produtor mundial, enquanto a Argentina tem um único local de extração, que é explorado pela empresa FMC Lithium, dos EUA.
Tendo a segunda maior reserva, a Bolívia pode passar a ser alvo de empresas estrangeiras para a exploração desse metal precioso. Entretanto, a situação instável do governo boliviano pode elevar o grau de desconfiança dos investidores.
Anteriormente, Morales havia anulado o pedido de permissão da operação de lítio na região de Potosí depois de os moradores terem protestado, já que a região não estava obtendo benefícios suficientes com a exploração do metal.
O governo boliviano tinha um projeto em conjunto com uma empresa alemã, que visava a exploração do lítio no sul do país, contudo o projeto foi cancelado por Morales.
Posição do Brasil
O governo brasileiro não considera que a situação na Bolívia seja um golpe de Estado, já que Evo Morales renunciou ao cargo depois de "tentativa de fraude eleitoral".
Além disso, o Brasil considera que Morales agiu corretamente ao deixar o poder, depois da manifestação e desejo da população.
O Ministério das Relações Exteriores do Brasil considera pertinente a convocação de novas eleições gerais em resposta às legítimas manifestações do povo e às recomendações da OEA, após a constatação das graves irregularidades.
O governo brasileiro também reconheceu a senadora Jeanine Añez como presidente interina da Bolívia. A senadora faz parte do grupo de oposição a Morales e reivindicou o cargo pouco depois da renúncia do ex-presidente.
O Governo brasileiro congratula a senadora Jeanine Añez por assumir constitucionalmente a Presidência da Bolívia e saúda sua determinação de trabalhar pela pacificação do país e pela pronta realização de eleições gerais. O Brasil deseja aprofundar a fraterna amizade com a Bolívia.
Entretanto, o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, mais uma vez manteve foco na rivalidade política e ironizou Evo Morales.
"Lá a esquerda tomou conta de novo. Tenho um bom país para ele: Cuba", afirmou Bolsonaro em referência ao governo mexicano de Andrés Manuel López Obrador.
Apesar da "alegria" de Bolsonaro com a queda de Morales, o Planalto estaria preocupado com o vácuo político na Bolívia, pois o mesmo pode elevar a tensão na fronteira com o Brasil, provocando a instabilidade da região, e prejudicar a relação comercial entre os dois países afetando a importação de gás, já que 83% do gás que o Brasil importa vem da Bolívia.
"Se a Bolívia parar de fornecer gás por um dia a gente para a Av. Paulista. A nossa indústria depende profundamente do gás natural que vem de lá", explicou o professor de Política Internacional da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Dawisson Lopes ao jornal El País.
Instabilidade na América Latina
A renúncia de Evo Morales, na Bolívia, faz parte da série de episódios que marcam o quadro de instabilidade regional dos países da América Latina.
A região está passando por um momento de crises políticas, vácuos de poder e governos autoritários. Um exemplo disso são as crises que atingiram o Chile, fazendo com que uma nova Constituição fosse criada, o Equador, contra o fim dos subsídios para combustíveis, a Venezuela, contra Maduro, e a Argentina, que passa por crises econômicas.
Além dos países citados, vale mencionar que no Uruguai o segundo turno das eleições acontecerá no próximo dia 24 de novembro. O segundo turno será disputado entre o candidato Daniel Martínez, do partido de situação Frente Ampla (esquerda) e Luis Lacalle Pou, do Partido Nacional (centro-direita).
Com tantas crises a comunidade internacional está em alerta, já que pode isso fazer com que o continente entre em uma espiral perigosa de incertezas e disputas entre conservadores, progressistas e grupos no poder, causando uma forte turbulência no continente.
A situação na América Latina começa a preocupar o mundo, que já possui diversas regiões de conflitos, e com certeza mais um continente em conflito não seria bom para ninguém.
Além dos conflitos e da tensão, a região pode deixar de atrair investidores estrangeiros e provocar uma instabilidade econômica ainda maior, fazendo com que a região caia em descrédito.