"Aparentemente há na Argentina uma visão profunda que vai contra os postulados básicos do Mercosul", disse o chanceler em entrevista ao jornal Valor Econômico. "Não podemos dizer que é um projeto inquestionável, que vai durar para sempre, aconteça o que acontecer. O Mercosul não é apenas um nome, uma bandeira hasteada. Se o projeto é desvirtuado, precisa ser repensado."
Já no dia da eleição de Jair Bolsonaro, em 2018, Paulo Guedes afirmou que o Mercosul não era uma "prioridade". Araújo, contudo, afirma na entrevista ao Valor que o bloco "vinha dando certo com a Argentina do [presidente Mauricio Macri]".
O que mudou na relação entre as duas maiores economias da América do Sul foi a eleição do presidente Alberto Fernández. Na entrevista, Araújo contou estar preocupado com as posições de Paula Español, cotada para ocupar o cargo de Secretária de Comércio Exterior.
Bolsonaro fez torcida pela reeleição de Macri e disse que o Rio Grande do Sul poderia enfrentar uma fuga massiva de argentinos caso Fernández ganhasse. O novo presidente da Argentina, que toma posse em 10 de dezembro, já classificou Bolsonaro de "racista, misógino e violento".
O presidente brasileiro quebrará uma tradição e não participará da posse de Fernández, mas será representado pelo ministro da Cidadania, Osmar Terra.
Para o professor de Relações Internacionais da Universidade Presbiteriana Mackenzie Arnaldo Francisco Cardoso, a animosidade entre os dois líderes não é novidade, mas a recente fala de Araújo "ganha novos contornos" dada a proximidade da posse de Fernández.
"Nos últimos 16 anos, tivemos superávit no comércio com o Mercosul e com a Argentina, uma quebra nessas relações pode afetar, e já vem afetando, setores importantes da produção no Brasil", diz Cardoso à Sputnik Brasil.
Ao contrário das relações comerciais que dominam as exportações brasileiras, os produtos mais vendidos do Brasil para a Argentina são itens manufaturados. Automóveis de passeio (20%), partes e peças de veículos e tratores (8%) e demais produtos manufaturados (5,4%) foram os itens que o Brasil mais vendeu para Buenos Aires de janeiro a outubro de 2019.
O Mercosul é responsável por estabelecer tarifas comuns entre os países membros do bloco e uma saída do Brasil do bloco pode dificultar negociações comerciais.
Cardoso ressalta que o Mercosul já passou por outros momentos de tensão, mas que a resposta para a situação é fundamental: "A questão é como essa tensão pode ser encaminhada, se através da negociação ou do acirramento das divergências que pode culminar no rompimento desse relacionamento".
Ainda de acordo com o professor do Mackenzie, outro ponto preocupante sobre uma possível saída do Brasil do Mercosul é que o acordo com a União Europeia poderia correr perigo. Para Cardoso, "falta visão estratégica" do Itamaraty.
Um dos sintomas dessa falta de norte, diz Cardoso, é a agenda internacional de Bolsonaro: "Diversificar parceiros comerciais no mundo é positivo, mas isso precisa estar inserido dentro de uma estratégia, não de uma ação descoordenada, como parece ser o caso".