O encontro, que começa nesta quarta-feira (4) e termina amanhã com a presença dos chefes de Estado, acontece num momento de transição, com mudanças em governos do bloco, o que deve esvaziar o evento.
Na Argentina, a centro-esquerda volta à cena com Alberto Fernández, que substituirá Mauricio Macri na Casa Rosada. Já no Uruguai, o caminho é inverso. A Frente Ampla de Tabaré Vázquez deixa o poder, e assume Lacalle Pou, de centro-direita.
O presidente Jair Bolsonaro criticou o resultado das eleições argentinas, chegando a afirmar que o povo do país tinha "escolhido mal". Além disso, ele não irá para a posse de Fernández, marcada para 10 dezembro.
Por outro lado, o mandatário brasileiro elogiou Lacalle Pou e disse que torcia por sua vitória antes mesmo da realização do segundo turno, sendo criticado pelo uruguaio.
'Diplomacia envolve altas doses de pragmatismo'
"Infelizmente, o Brasil não vem mais praticando diplomacia desde que Jair Bolsonaro assumiu a presidência e indicou o novo chanceler [Ernesto Araújo]. Diplomacia envolve altas doses de pragmatismo, respeito pelas decisões dos países alheios e um certo comedimento na maneira de expressar suas preferências e eventuais divergências", afirmou Cunha Filho, que é colaborador do Observatório Político Sul-Americano da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e professor do Departamento de Ciências Sociais da UFC (Universidade Federal do Ceará).
Segundo o especialista, divergências entre países do bloco são comuns e não deveriam ser motivo para apreensão, mas a realidade agora é outra.
"Isso não deveria ser um impeditivo para as relações diplomáticas e bilaterais entre Brasil e Argentina, e mesmo do funcionamento do Mercosul. Presidente de orientações ideológicas diferentes conviveram em momentos distintos. Mas infelizmente no cenário que vemos pela frente, isso deve se traduzir em problemas no relacionamento dentro do bloco", argumentou.
A cúpula do Mercosul na serra gaúcha não deverá apresentar decisões importantes, justamente pela ausência dos presidentes recém-eleitos. Bolsonaro deve ir para Bento Gonçalves nesta quinta-feira. Ele sinalizou que sua principal missão no evento será promover o acordo comercial entre o bloco sul-americano e a União Europeia (UE).
Com problemas de saúde, Tabaré Vázquez não participará do encontro, sendo substituído pela vice-presidente Lucía Topolansky.
Brasil vai deixar Mercosul?
Além da animosidade entre os líderes brasileiro e argentino, a cúpula acontece poucos dias depois do chanceler Ernesto Araújo afirmar que o Brasil poderia deixar o Mercosul com a vitória de Fernández e possíveis mudanças nas diretrizes do bloco.
Para piorar, Bolsonaro também disse recentemente que essa possibilidade estava sobre a mesa. Além disso, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, anunciou que o Brasil estava deixando de integrar o grupo de trabalho que discute educação no Mercosul.
"Já temos esses indicativos, lamentavelmente, como também abandonaram a Unasul. Aí fazem essas ameaças, o que parece ser muito mais birra e viés ideológico do que uma decisão racional", afirmou o professor da UFC.
Para Cunha Lima, uma eventual saída do Mercosul será muito prejudicial à economia brasileira, pois o bloco "representa um dos maiores mercados de exportação do Brasil, especialmente produtos industriais".
País 'virou as costas para parceiros'
O especialista disse ainda que a política externa do governo, chamada por ele ironicamente de "ex-diplomacia brasileira", prejudica a imagem do país no cenário global.
"O Brasil deu uma guinada de rumo inédita, de alinhamento ideológico automático com os Estados Unidos, de virar as costas para diversos parceiros na América Latina e África, na questão ambiental também, tudo isso tem prejudicado bastante a credibilidade do Brasil no relacionamento externo", opinou.