Uma das promessas do presidente Jair Bolsonaro para 2019 era zerar o déficit das contas públicas em seu primeiro ano de governo. Considerada irrealista por muitos especialistas, a promessa foi classificada como factível por Paulo Guedes.
No final de novembro, no entanto, o próprio ministro declarou que o governo deve encerrar 2019 com um rombo nas contas públicas. A cifra, porém, deverá ser inferior a 80 bilhões de reais, ou seja, menor do que a previsão do próprio Orçamento para 2019, que era de R$ 139 bilhões.
Desse modo, esse será o sexto ano consecutivo de resultados negativos nas contas públicas.
Segundo especialistas consultados pela Sputnik Brasil, porém, a grande questão não reside no simples equilíbrio das contas públicas, mas na forma que for escolhida para atingir esse ponto.
Ninguém acreditou no fim do déficit em 2019
Segundo Ricardo Summa, doutor em economia e professor da UFRJ, poucos economistas acreditavam na possibilidade de zerar o déficit primário do país ainda em 2019.
"É impossível você corrigir isso em menos de um ano, ainda mais com a proposta de redução de gastos. Tem muitos gastos que são difíceis de serem cortados, pois são constitucionais e não tem como você mexer, alguns com reajuste já vinculado ao salário mínimo e à inflação. Então temos uma grande inércia dos gastos públicos que você não consegue cortar", explicou.
O economista e professor de Finanças do Ibmec/RJ, Haroldo Monteiro, também em conversa com a Sputnik Brasil, fez uma avaliação semelhante.
"A gente achava meio difícil dele [Paulo Guedes] conseguir isso apenas com base no orçamento, entre receitas e despesas normais, ou seja, que ocorrem no orçamento devido à entrada de impostos e despesas que entram no ano, obrigatórias, ou as que se pode cortar (as que não estão garantidas pela constituição)", disse o entrevistado.
"A margem para mexer é muito pequena. As despesas obrigatórias consomem quase 90% do orçamento. Então sobra muito pouco para cortar. Por isso, o plano de Guedes era fazer privatizações para conseguir zerar esse déficit público", acrescentou o professor do Ibmec.
Haroldo Monteiro, destacou que o leilão do pré-sal - o leilão da cessão onerosa - rendeu menos para o governo, do que era esperado, e a situação econômica no mundo não contribuiu para o crescimento brasileiro.
Os dois economistas, no entanto, discordam na estratégia para o equilíbrio das contas.
Aumentar os gastos
Para Ricardo Summa, da UFRJ, o crescimento do PIB é essencial para o garantir a arrecadação.
"O problema é que o PIB cresce pouco, e o corte de gastos ajuda o PIB a não crescer muito, ou até faz [o PIB] cair em casos quando é muito drástico o corte. A arrecadação depende muito do nível de atividade da economia. Se o PIB está crescendo pouco a arrecadação também vai crescer muito pouco", argumentou ele.
"Pelo lado dos gastos é difícil cortar muita coisa rápido pela própria inércia dos gastos e da transferência [dos recursos do governo], felizmente com garantias constitucionais… Se o governo conseguisse realmente cortar muito, o PIB não estaria crescendo nem esse pouco que está", alertou o economista, para quem o Produto Interno Bruto poderia até voltar a cair.
O professor da UFRJ imagina que o orçamento do ano que vem não deve ser muito expansionista, até em função dos limites que foram colocados pelo governo de Michel Temer, que é o Teto de Gastos. Ou seja, para ele isso "quer dizer que no longo prazo o crescimento do gasto público será zero".
"Muitos economistas acreditam que o gasto público, pelo menos a curto prazo, impacta o PIB. Se você coloca uma regra de que o gasto público não pode crescer, você está dizendo que uma das fontes do crescimento do PIB, já de cara, não vai acontecer", ponderou o entrevistado.
Ele citou os dados do PIB de 2019, que apontam um consumo negativo do governo. A federação tem arcado basicamente com gastos de pessoal e custeio de estruturas que já funcionam. Summa teme que essa dinâmica possa ter um efeito recessivo para a economia.
"O investimento total do Brasil cresceu, mas o investimento público está muito baixo, comparando com a série histórica, e caiu em relação a 2018. Para o ano que vem essa tendência deverá ser mantida, com investimento público baixo", destacou o especialista.
Reduzir os gastos e apostar na privatização
O professor de Finanças do Ibmec, Haroldo Monteiro, por outro lado, demonstrou mais esperança na capacidade do governo de fazer a economia voltar a subir.
"Vale dizer que o governo está incentivando a economia a entrar nos trilhos, dado esse tempo todo de recessão que tivemos e que reduziu a receita do governo. Esse também foi um fator que fez com que o déficit público aumentasse muito. Quando as receitas diminuem e as despesas se mantém constantes, na verdade com trajetória ascendente, com reajuste de salário mínimo e outros reajustes, o déficit tende a aumentar, ainda mais no caso de um governo que era perdulário e gastava mais do que deveria", afirmou ele.
"Com a economia entrando nos eixos existe a expectativa de que as receitas aumentem também", acrescentou.
Apesar de achar difícil que o déficit zere este ano, a partir de 2020 Monteiro vislumbra uma grande chance de uma performance bem melhor, por conta do aumento da atividade econômica e por conta de uma receita não recorrente entrando com as privatizações ou concessões que o governo pretende oferecer.
"A gente já observa uma maior confiança do consumidor, uma maior confiança do empresário. O setor da construção civil teve a melhor performance dos últimos 7 anos e está voltando aos patamares anteriores à crise", comemorou o interlocutor da Sputnik.
Além disso Monteiro elogiou o governo pelo corte da taxa de juros "que faz com que se volte a investir na economia e se gere mais empregos".
Tempo é fundamental
Apesar das diferenças na leitura da situação, os dois economistas se aproximam na avaliação das dificuldades de prever as contas públicas, mesmo em intervalos de relativo curto prazo. Além disso, ambos acreditam ser viável o equilíbrio futuro das contas públicas.
"É normal errar previsões nesse tipo de conta pública, mesmo no período de um ano. Você não sabe quanto exatamente vai ser gasto, nem qual vai ser a sua arrecadação. Provavelmente o governo esperava algum efeito do contingenciamento do gasto, e uma arrecadação um pouco maior", ponderou Ricardo Summa.
Para ele, se o PIB começar a crescer a 2%, se mantendo os gastos no patamar atual, e a economia mundial contribuir, zerar as contas será possível, sem "necessariamente ser um mérito da política".
"Por outro lado, para que o PIB cresça, acho muito difícil sem os gastos públicos ajudando. E a regra de que o gasto público não pode crescer somado ao governo que tem esse viés de não querer contar com o setor público como fonte de expansão acho difícil que o PIB venha a crescer de uma maneira sustentável", concluiu o professor da UFRJ.
O professor de Finanças do Ibmec, Haroldo Monteiro, por outro lado, apontou para o fato das políticas econômicas necessitarem de tempo para surtir efeito.
"Qualquer medida que se tome na área econômica e em macroeconomia não gera efeitos imediatos. Tendem a levar um tempo de médio prazo para que, efetivamente, a economia volte a crescer", pontuou o especialista.
"Por isso não faz sentido buscar melhora imediata na economia de um governo que só assumiu há 11 meses", concluiu o interlocutor da Sputnik Brasil.