Disputa sem fim: como China e EUA avançaram na guerra comercial em 2019?

Sem dúvidas que a guerra comercial entre os EUA e a China foi, tem sido e, pelos vistos, continuará a ser um dos grandes destaques que ainda vai dar que falar na mídia internacional.
Sputnik

Depois de chegar ao poder, Donald Trump travou disputas comerciais com os seus principais parceiros comerciais: vizinhos na América do Norte, União Europeia e China. Estes conflitos já custaram à economia global US$ 700 bilhões (R$ 2,86 trilhões), segundo dados do Fundo Monetário Internacional.

A atual guerra comercial entre os EUA e a China se originou depois de o presidente norte-americano ter anunciado em março de 2018 tarifas sobre US$ 50 bilhões de importações da China, alegando um histórico chinês de "práticas desleais" e roubo de propriedade intelectual. Em retaliação, Pequim impôs tarifas sobre mais de 128 produtos estadunidenses, principalmente a soja, um dos produtos de exportação mais importantes dos EUA.

Maiores pontos de confronto entre Washington e Pequim em 2019

Em maio deste ano a disputa se intensificou ainda mais, após os EUA terem imposto tarifas de 25% sobre produtos importados da China avaliadas em US$ 200 bilhões. O gigante asiático se comprometeu a retaliar, incrementando em junho tarifas sobre US$ 60 bilhões em produtos dos EUA.

O Departamento de Comércio norte-americano colocou a fabricante de tecnologia chinesa Huawei e suas 70 afiliadas na lista negra comercial. A medida exige que as empresas americanas obtenham primeiramente uma licença do governo antes de vender produtos às companhias da lista negra.

Agências de inteligência dos EUA acusaram a empresa de colocar ferramentas de acesso em "backdoor" em seus dispositivos sob ordens do governo chinês, uma característica que lhes permitiria espionar os usuários desses dispositivos. No entanto, Pequim e a Huawei negaram que tal diretiva existe.

Mais tarde, o conflito se estendeu para o campo monetário. Além de desvalorizar sua moeda, as autoridades chinesas tentaram reduzir as importações dos EUA. Para agravar ainda mais a situação extremamente tensa, Pequim pediu que as empresas estatais não comprassem produtos agrícolas americanos. O presidente dos EUA, Donald Trump, reagiu de imediato acusando a China de "manipulação monetária".

A China reduziu o preço de sua moeda quase para um mínimo histórico. Isso é chamado de "manipulação monetária". Federal Reserve, você está ouvindo? Isso é uma grande violação que enfraquecerá grandemente a China com o tempo.

A briga entre as duas maiores potências econômicas tem criado muitas incertezas no cenário econômico mundial.

Chegando a uma solução?

Em meados de dezembro de 2019, o Ministério do Comércio da China informou que conseguiu acertar com os EUA o texto da primeira parte do acordo econômico e comercial que prevê a retirada gradual das tarifas estadunidenses sobre os produtos chineses. Mais tarde esta informação foi confirmada pelo próprio presidente Trump no Twitter.

Nós acordamos um Acordo de Primeira Fase muito grande com a China. Eles [Chineses] concordaram realizar muitas mudanças estruturais e compras maciças de produtos agrícolas, energia, produtos manufaturados e muito mais. As tarifas de 25% vão permanecer como estão, com 7½% aplicados sobre a maior parte dos restantes [produtos]. As tarifas de penalização que deveriam ser aplicadas no dia 15 de dezembro não serão introduzidas devido ao fato que chegamos a um acordo. Nós vamos iniciar negociações sobre o Acordo de Segunda Fase imediatamente, sem esperar pelas eleições [presidenciais] de 2020. E um fantástico negócio para todos. Obrigado!

China apenas assumiu compromissos vagos sobre a proteção da propriedade intelectual, abandono da manipulação da taxa de câmbio e liberalização do mercado de serviços financeiros. Os principais problemas – o alegado roubo das tecnologias americanas e os subsídios de Pequim às empresas chinesas – ficaram fora do acordo.

No entanto, alguns meios de comunicação social começam a olhar com ceticismo os chamados avanços diplomáticos. O presidente dos EUA, Donald Trump, considerou o miniacordo intermediário como um triunfo, mas os seus adversários – uma capitulação.

Por exemplo, o senador estadunidense Chris Murphy mostrou-se muito cético, tecendo duras críticas em relação ao acordo negociado com Pequim.

O acordo comercial com a China parece ser uma capitulação total, como foi previsto. A guerra comercial custou à América 300.000 empregos, e em troca neste "acordo" a China fez exatamente ZERO compromissos concretos em matéria de reformas estruturais. Que desastre.

Segundo as contas feitas no guardanapo pelo senador Murphy, os agricultores ganham com este acordo US$ 29 bilhões, enquanto as suas perdas devido à guerra comercial representam US$ 11 bilhões, as compensações à agricultura custaram aos contribuintes US$ 28 bilhões. "Assim […] nós perdemos/gastamos US$ 39 bilhões, ganhamos US$ 29 bilhões, bom trabalho!", ironiza senador.

Afinal, quem venceu?

A Sputnik Brasil falou com um especialista russo para comentar os progressos e futuros desafios nas relações sino-americanas.

O interlocutor da Sputnik Brasil, Sergei Lukonin, chefe do Departamento de Economia e Política da China do Instituto de Economia e Relações Internacionais Primakov, considera que se trata de uma fase de tréguas transitória.

"Penso que este acordo não é um triunfo de Trump, porém não pode ser considerado insignificante, é uma fase de tréguas transitória em uma guerra comercial e econômica, na qual uma das partes (EUA) quer manter uma liderança incontestável, e a outra parte (China) gradualmente aumenta sua influência desafiando liderança de Washington", comentou o economista.

Os termos do acordo de tréguas apenas são conhecidos segundo informações providenciadas pelos EUA. Eles afirmam que Pequim comprometeu-se a aumentar a compra de bens e serviços americanos no valor de US$ 200 bilhões nos próximos dois anos em comparação com o nível anterior à guerra em 2017. Como resposta, os EUA irão reduzir parte das tarifas sobre as importações chinesas e desistirão da introdução de novas a partir de 15 de dezembro.

Este miniacordo tem como objetivo reduzir o enorme déficit comercial entre os EUA e a China, mitigando um dos fatores do conflito. Porém, as principais questões em disputa ficaram por resolver.

De acordo com Lukonin, um dos principais fatores que esteve em causa no desenvolvimento do conflito entre os países este ano foi o abrandamento de crescimento do PIB chinês.

"No meu ponto de vista, o fator principal é o abrandamento do ritmo de crescimento do PIB da China, e isso permite aos EUA falar de sua vitória. A China responde com medidas que fomentam a economia nacional (redução de determinados impostos, alargamento de alguns pagamentos compensatórios, entre outras medidas) e com o desenvolvimento de novas direções no comércio internacional. Pequim insiste que o abrandamento da sua economia é uma transição clássica da quantidade para a qualidade, e que os EUA não têm nada a ver com isto", explica ele.

As autoridades chinesas confirmaram que estão dispostas a aumentar a compra de trigo, arroz e milho, no entanto elas não assumiram quaisquer obrigações contratuais, e os funcionários chineses se recusam a citar quaisquer números.

Assim, a continuação da guerra comercial é mais do que provável. Juntamente com o impeachment, a disputa comercial será o pano de fundo da campanha eleitoral de Trump.

Qual será continuação da disputa em 2020?

Com a primeira fase das negociações houve um alívio, mas nada mudou no quadro geral da guerra comercial, as principais questões de discórdia foram deixadas de fora. Para sua resolução, Washington terá que conseguir obter da China a implementação de mudanças estruturais, sem as quais a "segunda fase" do acordo e um fim vitorioso do conflito serão impossíveis.

"Será muito complicado, nós temos sistemas diferentes. Teremos que arranjar uma forma de integrar estes sistemas de uma maneira que os EUA recebam mais benefícios do que agora", descreveu aos jornalistas a próxima fase das negociações com a China o representante comercial dos EUA Robert Lighthizer, citado pela Reuters.

As expectativas permanecem frágeis não só para uma paz futura, mas também para a atual trégua neste conflito comercial, disse ao portal China File o ex-conselheiro do Departamento de Estado dos EUA e professor da Universidade de Sidney Charles Edel.

"Aconteça o que acontecer, não creio que as tensões entre a China e os EUA vão diminuir", revelou ele as perspectivas do acordo intermediário ainda antes de ele ter sido anunciado. "Os objetivos de Washington e Pequim são fundamentalmente opostos e talvez até sejam incompatíveis, por isso qualquer acordo será temporário, e na melhor das hipóteses fragmentário."

Na opinião do chefe da maior empresa de consultoria política do mundo Eurasia Group, Ian Bremmer, independentemente do acordo de tréguas, "as relações entre os EUA e a China vão ser muito piores no próximo ano".

Seus argumentos consistiam em que no próximo ano vão surgir inúmeros problemas cruciais: o conflito em torno da empresa Huawei e a detenção de um dos seus diretores no Canadá, as manifestações em Hong Kong, a "guerra fria tecnológica" e a "questão dos uigures" (ou seja, as acusações contra a China de criação de campos de concentração na região autônoma uigur do Xianjiag), entre outras questões.

Comentar