O que esperar da OTAN depois de um ano repleto de polêmicas?

Neste ano, a OTAN celebrou seus 70 anos de existência com controversas internas, impulsionadas principalmente devido a suas estratégias, que já não coincidem mais com o pensamento traçado por alguns de seus integrantes.
Sputnik

Além disso, a organização, através do presidente dos EUA, Donald Trump, pressiona os países-membros a elevarem os custos com a defesa e participação, já que a OTAN aparentemente está perdendo o controle de seus gastos, ignorando a situação financeira em que os membros se encontram.

Atuais metas da OTAN não condizem com sua finalidade

Fundada em 1949 durante a Guerra Fria, a aliança político-militar entre EUA, Canadá e países europeus tinha como objetivo, além da proteção mútua, inibir o avanço do bloco socialista no continente europeu.

Tempos depois, a aliança se expandiu e passou a contar com 29 Estados-membros, podendo em breve adicionar a Macedônia do Norte.

Apesar de ter tido uma participação importante na estabilização das democracias da Europa, parece que a OTAN se perdeu pelo caminho e, ao invés de se tornar mais forte, tornou-se mais dependente com menos da metade da força que possuía, explica o professor Michael Clarke, analista de defesa britânico à BBC. "A OTAN está em apuros, apesar de ainda ter muitos recursos", argumenta.

Nos dias atuais, a OTAN planeja fortalecer sua defesa através da contribuição de seus aliados, para combater seus inimigos "imaginários", deixando de lado seu propósito e estratégia inicial, visando seus próprios interesses, explica Aleksandr Zhilin, especialista militar e diretor do Centro de Pesquisa de Segurança Nacional, entrevistado pela Sputnik Brasil.

"A OTAN é um instrumento dos EUA para defender seus interesses, principalmente na Europa, e, caso seja necessário, em outras regiões. [...] Esse instrumento serve como um elo para as forças norte-americanas, seguindo sua doutrina militar com caráter intervencionista e fazendo com que os países europeus abriguem complexos militares dos EUA com objetivos de implementar suas forças nucleares estratégicas na região, condenando, assim, aqueles que lá vivem", afirma Aleksandr Zhilin.

O pensamento da OTAN não reflete o que foi traçado por seus fundadores, já que não há qualquer ameaça para muitos dos países-membros. Além disso, agora a OTAN estaria focando seu objetivo no Atlântico Sul, envolvendo Cabo Verde, Brasil e Angola, deixando de lado seu real propósito, conforme o Conselho Português para a Paz e Cooperação, que foi criado na década de 50, com o objetivo de manter a amizade e solidariedade entre os povos.

"Ao longo das décadas, a OTAN protagonizou e apoiou golpes de Estado, guerras de agressão e ocupações militares", denuncia o manifesto, enfatizando que o bloco constitui "a mais séria ameaça à paz e à segurança no mundo", enfatizou o conselho português.

Trump eleva gastos e gera insatisfação na OTAN

Trump e sua equipe também vêm exercendo pressão para que a Europa e o Canadá destinem uma maior quantia de dinheiro a despesas militares.

Com isso, os EUA exigem que os países-membros gastem 2% do PIB em defesa, o que gerou debates e descontentamento entre alguns países da aliança, como é o caso de Portugal, que gastou 1,35% do PIB em defesa em 2018 e deve gastar 1,66% neste ano.

Entretanto, a exigência não agradou o ministro da Defesa de Portugal, João Gomes Cravinho, que afirmou que as contribuições dos países aliados não devem ser medidas "apenas pela porcentagem do PIB", mas também pelos projetos de "partilha de responsabilidades".

"Falar apenas de contributos medidos em percentagem do PIB é uma abordagem redutora e inadequada à complexidade dos desafios à segurança internacional", defendeu Cravinho, acrescentando que "contribuir para capacitar a Aliança Atlântica em todos os vetores de atuação", é um exemplo de partilha de responsabilidades.

Na nova fórmula orçamentária pretendida por Trump, os EUA pagariam menos, enquanto que outros países que estão aquém na proporção de recursos destinados à defesa, pagariam mais.

Insatisfação de Macron gera polêmica entre membros da OTAN

Anteriormente, o presidente francês Emmanuel Macron fez duras críticas contra os líderes da OTAN, chegando a afirmar que a Aliança Atlântica estava sofrendo de "morte cerebral".

A declaração do presidente francês foi algo muito profundo para os líderes da organização "já que o cérebro da OTAN é formado principalmente por norte-americanos, que ocupam cargos importantes e que consequentemente tomam as decisões mais importantes visando o interesse dos EUA", ressalta Aleksander Zhilin para a Sputnik Brasil.

Assim como Macron, os chefes de Estado, que fazem parte da aliança, mostram descontentamento e acreditam que os líderes da OTAN deveriam se voltar para questões estratégicas e rumos que a aliança deve tomar e não focar em armamentos, elevação de gastos e "inimigos imaginários".

Por sua vez, a chanceler alemã Angela Merkel afirmou não compartilhar da mesma opinião de Macron, entretanto, concorda que hoje a OTAN tem um trabalho muito mais político do que anos atrás.

"Macron escolheu palavras drásticas, não é a visão que eu tenho da OTAN. A OTAN é indispensável, devemos tomar em nossas mãos o destino da Europa, mas acredito que a OTAN avançou e tem um trabalho muito mais político do que anos atrás", afirmou.

Já a ex-chanceler austríaca Karin Kneissl também se manifestou e afirmou que a OTAN tem estado gravemente dividida e está piorando ainda mais com o tempo.

"As alianças correspondem a interesses de um determinado período e, quando elas caem, surge a questão da relevância da organização. Penso que a OTAN tem estado preocupada com esta questão há anos. Se voltarmos a 2002 e 2003, o início da Guerra do Iraque, a OTAN estava à beira da implosão. A OTAN está extremamente fraturada, e isso tem vindo a se agravar desde então", disse Kneissl.

Mesmo com polêmicas, OTAN pode ter futuro estável

O futuro da OTAN pode estar nas mesmas estratégias utilizadas a cada período turbulento que passa de anos em anos.

Ou seja, a organização mais uma vez deverá encontrar "inimigos", fazendo com que os países-membros fiquem unidos e continuem realizando seus desejos perante ameaças criadas pela própria organização, já que diversos membros não sofrem qualquer tipo de ameaça, afirma Ivan Konovalov, especialista militar e cientista político, à Sputnik Brasil.

Konovalov, também afirmou que "a OTAN tem como principal objetivo sua preservação, e para isso é preciso criar novos inimigos que devem ser atacados, justificando a preservação da organização". Além disso, o cientista político acredita que, mais cedo ou mais tarde, a OTAN conseguirá obter os 2% do PIB para gastos com a defesa, mesmo que muitos países decidam sair da aliança para evitar os altos custos, que poderiam ser gastos na economia do país.

O que esperar da OTAN depois de um ano repleto de polêmicas?
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