A Casa Branca quer modificar as regras de exportação de fuzis, metralhadoras, revólveres e demais armas leves. Com as mudanças propostas, a competência para regular as exportações passaria do Departamento de Estado para a Secretaria de Comércio e o Congresso deixaria de ser notificado sobre as entregas.
O cientista político Sergei Sudakov explica por que o Departamento de Estado, equivalente ao Itamaraty brasileiro, deve perder a competência de controlar as exportações:
"Hoje, o Departamento de Estado impõe barreiras relativamente duras à exportação, relacionando-as à situação política e militar de cada região. Isso é claramente ruim para os fabricantes de armas e Trump quer livrá-los dessas restrições", explicou Sudakov à RT.
As medidas podem favorecer grandes produtores norte-americanos como a American Outdoor Brands Corp. e a Sturm Ruger & Co, que devem aumentar a sua exportação de armas, reportou a Reuters.
A Associação Nacional de Esportes de Tiro (NSSF, na sigla em inglês) aprovou a iniciativa da administração Trump. A NSSF estimou que a medida proporcionará o aumento das exportações de armas leves dos EUA em cerca de 20%. Em comunicado, a associação declarou que as regras atuais de exportação de armamentos estavam obsoletas e que as medidas devem criar novos postos de trabalho nos EUA.
A modificação das regras, que teria sido uma iniciativa pessoal do presidente norte-americano Donald Trump, enfrenta alguma oposição, como a do senador democrata Robert Menendez, membro da Comissão de Relações Exteriores do Congresso.
"Estamos novamente chocados e frustrados – apesar de não estarmos surpresos – com a disposição dessa administração de colocar o lucro dos fabricantes de armas na frente da segurança da população. Essa medida não só facilita a exportação de armas para países que praticam violações dos direitos humanos, mas também retira o controle do Congresso", notou Menendez.
A questão do porte de armas é muito sensível nos Estados Unidos, que sofre frequentemente com ataques de atiradores contra a população civil. No mesmo dia da publicação das propostas de Trump, um atirador adolescente fez quatro mortos e deixou uma pessoa gravemente ferida, no estado de Utah.
De acordo com especialistas, este tipo de ataques impacta a opinião do eleitorado não só em relação ao comércio interno de armas de fogo, mas também à exportação. A administração Obama tinha planos de facilitar as exportações de armas leves, conforme reportou o The Washington Post, mas teria adiado a medida após os ataques na escola de Sandy Hook, que vitimou 20 crianças e 3 adultos.
Lobby de armas
Konstantin Blokhin, especialista do centro de pesquisa de assuntos de segurança da Academia de Ciências da Rússia, lembra que a política de porte e exportação de armas nos EUA está sob forte influência do lobby pró-armas do país.
"Nos EUA ocorreu mais um ataque, mas isso não leva a Casa Branca a abandonar seus planos. O lobby das armas pressiona as autoridades e tem muita influência nos EUA", explicou o especialista.
Andrei Koshkin, da Universidade russa de Economia Plekhanov, teme que as armas norte-americanas deteriorem ainda mais a situação de países que já sofrem com conflitos armados.
"A Casa Branca dá a entender que quer aumentar os índices de exportação das suas empresas de armas. E isso é um péssimo sinal para a comunidade internacional, uma vez que as armas norte-americanas irão, em grande medida, acabar em zonas de conflito, e tudo isso sem nenhum controle", declarou o especialista.
A medida de Trump agrada aos setores mais conservadores do Partido Republicano, o que pode ser útil ao presidente, que tentará a reeleição neste ano. Além disso, apoiadores da medida alegam que ela poderá criar postos de trabalho na indústria de armas, o que estaria de acordo com as promessas de campanha de Donald Trump.
"Trump faz de tudo para conseguir o apoio do eleitorado. Por isso ninguém está interessado em ouvir que a facilitação das exportações poderá trazer consequências negativas. As armas podem cair em mãos de grupos terroristas, por exemplo. Claro que eles já adquiriam as armas de maneira ilegal, mas agora o processo deve ficar ainda mais simples", disse Sergei Sudakov.
Impacto no Brasil
De acordo com o jornal alemão DW, grupos criminosos brasileiros, como o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC), utilizam armamentos norte-americanos importados ilegalmente.
Dados oficiais do governo brasileiro apontam que 24% das armas ilegais na posse do crime organizado no Brasil vieram dos EUA. Além disso, "praticamente 100% das armas de grande calibre nas mãos do crime organizado, como o AK-47 e AR-15, vieram do território americano", escreveu a jornalista Anabel Hernández.
Com a aprovação das novas medidas, a exportação de armas norte-americanas deve aumentar, facilitando o acesso de grupos ligados ao tráfico de drogas e demais organizações criminosas a armamentos.
O Brasil já observa um aumento no registro de posse de novos armamentos desde o início da administração Jair Bolsonaro: durante o ano de 2019, o país registrou 5 novas armas por hora.