Resultados da reunião sobre Líbia em Berlim: pode se esperar uma trégua se nada foi assinado?

O encontro na Alemanha acerca da situação na Líbia terminou com um aparente sucesso, mas há fortes obstáculos à eficácia do acordo que três especialistas russos trazem à tona.
Sputnik

A conferência sobre a Líbia em Berlim terminou com a adoção de um documento final, que estabelece um quadro para o processo de resolução dos problemas no país. No entanto, ainda não foram resolvidas muitas questões problemáticas, e as próprias partes em conflito não registraram por escrito um compromisso de trégua.

Poderá este passo para um acordo ser considerado bem-sucedido? Será que os diferentes intervenientes vão realmente respeitar o cessar-fogo? Especialistas russos responderam a estas perguntas em declarações à Sputnik Árabe.

Passo bem-sucedido, mas não assim tanto

Boris Dolgov, doutorado em História e um dos principais pesquisadores do Centro de Estudos Árabes e Islâmicos do Instituto de Estudos Orientais da Academia de Ciências da Rússia, acredita que o próprio fato de ter havido um encontro já pode ser considerado como um certo sucesso.

"Sim, de fato, a reunião em Berlim foi um passo para a resolução da crise. Eu não diria que é um sucesso a 100%. Mas sem dúvida que já é alguma coisa", disse ele.

O cientista político Grigory Lukianov, especialista do Conselho Russo de Relações Exteriores, concorda. Segundo ele, qualquer negociação no contexto de uma crise extremamente difícil cria esperança de se encontrar um compromisso.

"Qualquer passo na direção de um acordo deve ser considerado bem-sucedido, especialmente no contexto da situação em que se encontra a crise líbia. Esta conferência tem um papel simbólico, demonstrando a vontade e o desejo de uma ampla gama de países estrangeiros de contribuir para o processo de resolução da crise na Líbia", comentou o especialista.

Paradoxos do acordo de Berlim

No entanto, como observa Grigory Lukianov, há pontos ilógicos e contraditórios no acordo, que podem levar ao incumprimento do contrato.

"No comunicado final, apresentado pelo Ministério das Relações Exteriores alemão, estão escritas muitas palavras corretas sobre a cessação dos fornecimentos militares e da ingerência estrangeira nos assuntos internos da Líbia. Mas os mecanismos através dos quais estes objetivos serão alcançados não estão explicitados", alertou o especialista.

"O marechal Haftar e o ministro Sarraj participaram da reunião em Berlim apenas como figurantes. Eles não participaram na elaboração do acordo e não o assinaram. Deste jeito acaba difícil imaginar como os autores do documento esperam o cumprimento por eles das obrigações que a comunidade internacional lhes impõe, quando no fundo isso não foi acordado com eles", explicou o analista.

Acerca dos mecanismos do tratado, Lukianov deixou no ar a questão: "Se o documento da conferência de Berlim implica acabar com toda a interferência estrangeira nos assuntos líbios, então como é que os atores estrangeiros procurarão obter a implementação dos acordos por Haftar e Sarraj?"

"O documento convida os países que têm alguma influência sobre a situação a prescindir dela. Todos os outros jogadores no confronto [interno] líbio devem ser guiados pelos princípios da racionalidade e da responsabilidade, o que parece ingénuo. Por isso, a eficácia destes acordos é uma questão em aberto. Por enquanto no documento apenas é visível um paradoxo poderoso."

Não haverá tréguas?

Andrei Chuprygin, professor da Escola de Estudos Orientais da Universidade Nacional de Pesquisas, acredita que é impossível falar do cumprimento da trégua e de quaisquer obrigações decorrentes do acordo, pois os líbios não o assinaram.

"Se as partes em confronto não o assinaram, de que tipo de tréguas ou cessar-fogo podemos falar? Isso não vai levar a nada. Para mim, tudo isso foi apenas agitar o ar", ressaltou o especialista.

Por que comparação entre Líbia e Síria é incorreta?

O ministro alemão das Relações Exteriores, Heiko Maas, instou a interromper o fornecimento de armas à Líbia, para não a transformar em uma segunda Síria. Mas Grigory Lukianov considera que Maas não estava tentando comparar a situação nos dois Estados árabes.

"As palavras de Maas já foram interpretadas por muitos como uma declaração contra a tentativa da Turquia e da Rússia de monopolizar o processo de resolução política. Isto mostra mais uma vez que as ações da Rússia e da Turquia são muitas vezes mal interpretadas pelo Ocidente."

"Portanto, nossa tarefa é evitar ao máximo simplificar a situação: a resolução de situações de conflito por países terceiros não se limita a tentativas deste ou daquele país de monopolizar o processo", indicou Lukianov.

"Trata-se de procurar a plataforma comum para um verdadeiro diálogo e cooperação, em vez de competição nesta matéria."

Chuprygin vê na declaração do ministro alemão das Relações Exteriores um certo elemento de intimidação de outros países europeus.

"Isso é uma espécie de bicho-papão: sobre uma segunda Síria. A verdadeira natureza do conflito na Síria, quanto mais sua comparação com a Líbia, não aparece na declaração de Heiko Maas. Só os preguiçosos ainda não declararam que os fornecimentos de armas devem parar, mas eu ainda não vi os EAU e Egito prestarem atenção a essas declarações", disse ele.

Boris Dolgov, por sua vez, apresentou diferenças reais nas situações desses países: "A comparação de Maas é incorreta. Eles são completamente diferentes. A Síria conseguiu manter as instituições do poder do Estado com um governo e um Exército legítimos. A Líbia tem dois centros de poder, o LNA [Exército Nacional Líbio] e o GNA [Governo do Acordo Nacional], ambos se posicionando como legítimos. Devo dizer que também há outras forças na Líbia. Isso torna a crise extremamente complexa, por isso não podemos comparar a Síria e a Líbia de forma alguma."

Todos estão confusos

Andrei Chuprygin, resumindo as negociações, referiu: "A crise líbia é uma confusão total, onde todos estão completamente confusos. Portanto, a comunidade internacional já não sabe o que fazer e com que objetivo. Por isso, acho que a conferência de Berlim foi uma boa ideia, mas foi extremamente mal executada."

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