Ana Gomes falou durante entrevista coletiva a um grupo de correspondentes estrangeiros em Lisboa sobre o mais recente escândalo internacional de vazamento de informações obtidas por um hacker, o Luanda Leaks.
Questionada pela Sputnik Brasil sobre o caso brasileiro, a ex-deputada disse não acompanhar a situação "como gostaria", mas considera o "trabalho do Glenn Greenwald importantíssimo" e aponta problemas, como "a própria Justiça a instrumentalizar isto para promoção política, no caso do (Sérgio) Moro".
A ex-eurodeputada também diz não ter dúvida nenhuma de que existe uma "grande triangulação entre as cleptocracias angolana, brasileira, e a atuação das empresas brasileiras" no polêmico caso de corrupção denunciado pelo Luanda Leaks.
Escândalo internacional
No último dia 19 de janeiro, membros do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ) começaram a divulgar reportagens que resultam das primeiras análises de mais de 715 mil arquivos vazados pelo hacker português Rui Pinto. São denúncias que indicam que Isabel dos Santos, a mulher mais rica da África, filha do ex-presidente de Angola José Eduardo dos Santos, teria desviado milhões dos cofres públicos do país, facilitada pelo governo do pai.
Um dos destaques das denúncias é o de que Isabel dos Santos desviou 115 milhões de dólares da Sonangol, a petrolífera estatal de Angola, enquanto ocupava o cargo de presidente da empresa.
A Agência Pública, um dos veículos brasileiros integrantes do ICIJ, divulgou uma ligação entre Angola e Brasil no esquema de corrupção. De acordo com a reportagem, há indícios de que um político próximo do ex-presidente José Eduardo dos Santos e de Isabel lavou dinheiro no Nordeste, através de empreendimentos imobiliários de luxo no litoral da Paraíba.
O hacker e os leaks
O Luanda Leaks também envolve empresas e instituições públicas portuguesas, como o Banco de Portugal. Para a ex-eurodeputada Ana Gomes, o vazamento também traz à tona a corrupção dentro da política e da Justiça do país, pela falta de investigação das denúncias e pelo tratamento dado ao hacker Rui Pinto.
A diplomata tem sido uma voz ativa em defesa do hacker, para que seja enquadrado dentro do "estatuto do denunciante", lei aprovada pelo Parlamento Europeu, em abril de 2019, para proteger whistleblowers, os denunciantes que agem em defesa do interesse público da União Europeia.
Rui Pinto está em prisão preventiva desde março de 2019. O português é acusado de 90 crimes, que envolvem tentativa de extorsão e sabotagem informática, relacionados ao Football Leaks, o primeiro escândalo denunciado com material vazado pelo hacker. "O único crime que permita prisão preventiva que lhe imputam é a tentativa de extorsão. Estou farta de perguntar: quantas pessoas acusadas de tentativa de extorsão estão presas em Portugal e por tanto tempo? Conheço quem foi condenado por extorsão e tem pena suspensa. Há quem queira silenciá-lo, intimidá-lo, não só apenas aqueles que foram os queixosos originais", diz a diplomata Ana Gomes.
O Football Leaks é considerado o maior escândalo da história esportiva. Em 2015, Rui Pinto começou a vazar uma série de documentos que desmascararam corrupção dentro da FIFA, levaram vários dirigentes à prisão e fizeram o suíço Joseph Blatter deixar a presidência da organização. Os vazamentos também implicam outras supostas fraudes de nomes internacionais do futebol, como o jogador Cristiano Ronaldo.
Em Portugal, o estatuto do denunciante ainda não tem diretrizes, mas existe intenção do atual governo de discutir o enquadramento. O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, acredita que o debate no Parlamento poderá ocorrer em fevereiro ou março. Sem comentar o caso específico de Rui Pinto, o presidente considerou, também em coletiva com correspondentes estrangeiros, que é preciso esperar "pelas iniciativas do governo e dos partidos, que são vários, no sentido de ver até onde é que vão, se vão até onde as orientações europeias sugerem".
Rui Pinto só assumiu que também era o autor do vazamento do Luanda Leaks na última segunda-feira (27), oito dias depois do início das publicações dos jornalistas do consórcio. O hacker entregou o material para a Plataforma de Proteção de Denunciantes na África (PPLAAF) ainda no final de 2018, quando vivia na Hungria.
O hacker costuma se manifestar pelo Twitter. Nesta quinta-feira (30), afirmou que a prisão, "prolongada e desproporcional" é apenas para "silenciar" as denúncias e "manter escândalos como o Luanda Leaks fechados a sete chaves". Rui Pinto ainda deu a entender que podem vir mais vazamentos pela frente, inclusive relacionados aos populares Vistos Gold, programa de autorizações de residência para quem investe em Portugal e que tem os brasileiros entre os principais beneficiados.
O julgamento do hacker pelos crimes do Football Leaks deverá começar no próximo mês de março.