Israel fez a coisa certa ao não eliminar o aiatolá Ali Khomeini, chefe da Revolução Islâmica, acredita Eliezer Tsafrir, ex-espião do Mossad. Se Mossad o tivesse matado, o mundo nunca teria compreendido a magnitude do problema que o "regime do aiatolá" tem causado.
Como todos os anos, Eliezer Tsafrir, antigo espião do Mossad e chefe de agência no Irã, vai assistir às festividades em Teerã marcando o fim do domínio do xá Mohammad Reza Pahlevi e o estabelecimento da República Islâmica em 1979.
Mas ele se lembra de tempos melhores, quando os israelenses ainda eram bem recebidos no Irã, e quando Teerã "não ameaçou apagar Israel do mapa", segundo publicado no diário israelense Haaretz.
Anseio pelo passado
Embora o Irã tenha se oposto ao plano de divisão da ONU de 1947 que dividia a Palestina entre judeus e árabes, o Irã foi o segundo país de maioria muçulmana depois da Turquia a reconhecer o recém-criado Estado judaico em 1948.
Israel valorizava seus laços com o país muçulmano, especialmente dada a animosidade que recebia dos seus vizinhos árabes. O Irã, por sua vez, temia o crescente pan-arabismo sob a orientação do então líder egípcio Gamal Abdel Nasser e, como resultado, considerava Israel não só uma porta de entrada para Washington e seu apoio financeiro, mas também um aliado natural.
Os dois países também mantinham relações econômicas estáveis. O Irã estava vendendo petróleo a Israel, algo que muitos países vizinhos estavam relutantes em fazer, e Tel Aviv tinha se tornado um dos principais exportadores de Teerã, fornecendo-lhe bens e serviços israelenses, um dos quais era o treinamento que as agências de segurança de Israel deram à notoriamente cruel polícia secreta do xá Mohammad Reza Pahlevi, a Savak.
"Para Israel, o Irã era o segundo aliado mais importante do mundo. No último ano do xá, tínhamos cerca de 1.300 israelenses trabalhando no Irã. Eram homens de negócios, agrônomos, engenheiros, e posso continuar enumerando", disse Tsafrir.
Fim do paraíso
Mas isto não era para durar. "As coisas estavam claras. Sabíamos que os dias do xá estavam contados, mas não sabíamos quando tudo iria acabar", lembrou.
Em 1978, em meio à agitação contínua, o jornal The New York Times estimou que o monarca iraniano tinha mais 15 anos até que o seu regime fosse finalmente derrubado. O Mossad e até mesmo os serviços secretos da polícia do xá tinham pontos de vista semelhantes. Eles estavam todos errados.
Protestos maciços irromperam em novembro de 1978. Durante um dos comícios, milhares de manifestantes invadiram os escritórios de El Al, a transportadora nacional de Israel, em Teerã.
"Tacaram fogo para que as pessoas tivessem de escapar dos escritórios pelo telhado, saltando de um para o outro, para não cair nas mãos da multidão enfurecida", lembrou Tsafrir, que vigiava a situação de perto.
"As autoridades demoraram cinco horas para chegar ao resgate e dispersar as multidões, e foi então que percebemos que tínhamos que tomar nós próprios as rédeas da situação", acrescentou o ex-espião.
Tsafrir ligou para Tel Aviv e repassou o sucedido aos seus chefes. Em resposta, Israel enviou três aviões com o objetivo de tirar todos os seus cidadãos, e o ex-chefe da estação deveria supervisionar que tudo corresse bem.
Israel já tinha percebido que as relações com o Irã tinham atingido um ponto sem volta. Mas Tel Aviv estava longe de estar sozinha. O xá também sabia, e compreendia a direção que seu país estava tomando.
"Em dezembro, fui abordado por um alto funcionário que me transmitiu um pedido pessoal do xá. Ele queria saber se o Mossad estaria disposto a assassinar o aiatolá Khomeini em Paris. Informei imediatamente Tel Aviv do pedido, mas recebi um relutante 'não'. 'Israel não é a polícia do mundo', me disseram."
Outra revolução é inevitável
Olhando para a situação agora, Tsafrir não sente arrependimento nenhum. "Se o tivéssemos eliminado naquela época, o mundo inteiro estaria contra nós, e a comunidade internacional nunca teria compreendido a magnitude do desastre do qual os teríamos salvado. Eles nos compreendem agora."
Tel Aviv e Washington acusam o Irã de desenvolver uma bomba nuclear que afirmam poder ser potencialmente usada contra civis em Israel e em outros países, alegações que Teerã nega.
A República Islâmica também é acusada de perseguir minorias, violar os direitos humanos e usar força excessiva para conter a oposição ao seu regime. "Um dia tudo isso terá um fim", acredita Tsafrir.
"Oitenta por cento da população são homens e mulheres jovens que estão cansados das limitações que este regime lhes impôs. Eles querem usar jeans e batom, se livrar da segregação em lugares públicos e, o mais importante, querem seus direitos de volta."
Ao longo dos anos, o Irã tem visto vários grandes protestos contra o governo de sua atual liderança. Uma das maiores manifestações ocorreu em 2009, após a vitória de Mahmoud Ahmadinejad nas eleições presidenciais do país.
Centenas de milhares de pessoas que acreditavam que as eleições foram manipuladas saíram às ruas em Teerã exigindo a renúncia de Ahmadinejad. Pelo menos 20 pessoas foram mortas no processo, e muitas outras acabaram feridas ou presas.