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Analista: visita de Lula ao Papa Francisco tem viés eleitoral, mas PT terá de falar com evangélicos

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi recebido nesta quinta-feira no Vaticano pelo Papa Francisco, líder máximo da Igreja Católica em todo o mundo. Apesar do tom fraterno e cordial, o encontro pode ter contornos políticos e eleitorais, segundo um especialista ouvido pela Sputnik Brasil.
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"Encontro com o Papa Francisco para conversar sobre um mundo mais justo e fraterno", dizia nesta quinta-feira o Twitter de Lula, acompanhado de duas imagens ao lado do pontífice.

Não se sabe o que os dois conversaram a portas fechadas, mas o petista havia adiantado que buscaria falar sobre o combate à fome, à desigualdade e à intolerância, além de debater as políticas em andamento e que envolvam a Floresta Amazônica. Todavia, o encontro pode ter rendido ainda mais.

Em entrevista à Sputnik Brasil, o cientista político Guilherme Carvalhido, professor da Universidade Veiga de Almeida, avaliou que a visita de Lula ao Papa Francisco possui claramente impactos políticos e eleitorais. Ele relembrou que a relação do PT com a Igreja Católica é anterior a 1980, quando o partido foi fundado.

"Essa conexão existe há muito tempo e você tem dentro do quadro do PT essa relação. Se nós olharmos o quadro atual, podemos ver isso de fato como uma tentativa de reaproximação ou de uma aproximação mais forte para que você tenha uma conexão política em uma disputa eleitoral que está muito polarizada e capitaneada por [presidente Jair] Bolsonaro e seus grupos, os grupos evangélicos que crescem muito no Brasil há muitos anos", analisou.

De acordo com Carvalhido, uma hipótese é que Lula possa usar a visita e o seu canal com o Papa Francisco para reforçar-se eleitoralmente, de olho no embate ideológico hoje tão presente na sociedade e na política brasileira e que não dá sinais de que vá arrefecer tanto em 2020 (ano de eleições municipais) quando em 2022 (eleições presidenciais).

"É provável que o PT, através de Lula, queira fazer religiosas para ter resultados lá na frente porque, talvez e aí a gente está especulando, uma vez que não sabemos essa posição que não está clara, a Igreja Católica ou pelo menos parte dela está interessada ou desconfortável com o discurso proferido por Bolsonaro em beneficiar alguns grupos evangélicos", explicou.

"Desta forma, aí sim, pode estar havendo uma afinidade de discurso para que o PT se aproxime dessa conexão, visto que o Papa Francisco está conectado a alguns discursos ligados ao debate do PT. Então sim, é bem provável que exista uma tentativa de afinidade, mas reafirmou que isso não é claro por parte da Igreja Católica que é muito ampla. Mas no ponto de vista do discurso há uma tentativa dessa relação acontecer", acrescentou.

A questão evangélica

Apesar do contato direto com o Papa Francisco possivelmente ter uma busca política por parte de Lula e PT, o ex-presidente mesmo já reconheceu, em janeiro deste ano, a necessidade que o partido tem de dialogar com os diversos grupos evangélicos espalhados pelo Brasil. Hoje associados a Bolsonaro, os evangélicos tiveram importância para eleger o próprio Lula e a sua sucessora, Dilma Rousseff.

Analista: visita de Lula ao Papa Francisco tem viés eleitoral, mas PT terá de falar com evangélicos

"Quando um político faz uma negociação com um grupo político, seja ele qual for, ele não pode ultrapassar os limites de escolhas daquela religião, o que a gente está chamando de ideologia. Logo, para o partido, para o candidato, para o grupo político que quer negociar com o grupo político o seu apoio, é necessário antes de tudo um respeito, e aí eu falo em respeito como uma palavra muito ampla, às necessidades ideológicas desses grupos. Por quê? Porque para o político, para o grupo político que deseja os votos desses religiosos, é necessário haver uma conexão nesse sentido", ponderou Carvalhido.

O cientista político ouvido pela Sputnik Brasil acredita que a adaptação de grupos políticos ao discurso religioso ideológico é algo esperado e é o que tem sido visto na atual política nacional, ainda mais em um país "bastante religioso" como o Brasil. Porém, tais grupos, sobretudo os mais diversos como os evangélicos, exigem contrapartidas.

"Portanto, a história muda e os discursos mudam, e os políticos também precisam se adaptar. Então, de uma maneira muito geral, há uma adaptação, só que aí a gente tem que ver as chamadas estruturas ideológicas que demoram mais para mudar. Se o PT quer uma relação mais significativa com grupos evangélicos, ele vai ter que se adaptar a essa matriz ideológica do discurso evangélico, caso contrário ele terá dificuldade. E isso aconteceu nas eleições de Lula, e até naquela que foi mais surpreendente na eleição de Dilma Rousseff", afirmou.

Carvalhido exaltou que o Papa Francisco não costuma receber qualquer pessoa, e o encontro com Lula possui força. Mas no plano político e eleitoral, a Igreja Católica encontra-se hoje mais pulverizada, ao passo que as igrejas evangélicas se estabeleceram pela TV e pelo rádio, com mais organização e rapidez - chegando à política. E é isso que os petistas terão de disputar.

"Nós temos ainda grupos religiosos com forte conexão eleitoral com seus rebanhos. Eu te diria que é uma relação muito importante, e como eu disse é muito difícil um candidato que tenha o desejo pelo poder não ter conexão e contratos, digo isso de maneira bem ampla, com esses grupos [...] Desta forma é muito importante, fundamental eu diria, que essa conexão exista. Se hoje um candidato venha a se apresentar como não sendo religioso, a chance dele se eleger é bastante pequena se comparar com uma pessoa que tenha uma relação religiosa com determinados grupos", finalizou.

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