Em um alinhamento histórico, o presidente argentino Alberto Fernández recebeu o apoio da oposição às medidas drásticas para conter a pandemia da COVID-19. A cooperação à margem da política partidária na Argentina contrasta com o Brasil e o México, cujos líderes têm sido fortemente criticados por sua falta de reação ao coronavírus.
"O governo está recebendo apoio de um setor da oposição no contexto de uma situação de emergência, mas é interessante notar que as faixas mais extremas do conflito político não estão participando, são os setores mais moderados que estão em diálogo, o que poderia significar algo na política argentina", disse Julio Burdman, analista político e acadêmico universitário, à Sputnik Mundo.
A liderança política de Alberto Fernández tem sido reforçada desde os primeiros cancelamentos de eventos e voos, até o fechamento de fronteiras e o chamado plano de Isolamento Social Preventivo Obrigatório. Este prevê a presença das Forças Armadas nas ruas, elemento significativo para um presidente de esquerda em um país marcado historicamente por ditaduras militares.
No cargo desde dezembro de 2019, Fernández tem a vantagem de ainda não ter o desgaste de uma presidência em tempos de crise econômica, frente à recessão que a Argentina vive desde 2017, e da estagnação que se arrasta há uma década.
Apesar do grande confronto político que a sociedade está passando, conhecido como "a fenda", o presidente recebeu a aprovação da maior parte do sistema político graças à sua decisão de não atrasar a tomada de decisões duras desde que o coronavírus foi declarado pandemia em 11 de março.
Em um passo histórico, Fernández foi apoiado explicitamente pela oposição por tomar medidas drásticas para conter o surto da COVID-19 em território argentino. A quarentena obrigatória foi analisada com os líderes de cada bancada no Congresso antes de ser anunciada.
"O presidente é o comandante nesta batalha", declarou Mario Negri, chefe da bancada Juntos pela Mudança (Juntos por el Cambio), a principal coalizão da oposição, em coletiva de imprensa.
O Presidente da Nação é o responsável máximo.
A especulação política será castigada pela sociedade.
Como opositores apoiamos estas medidas. Mais tarde teremos tempo para resolver divergências políticas, agora é hora de acompanhar.
O analista mencionou que uma das razões pelas quais a Argentina reagiu tão veementemente tem a ver com o fato de estar passando por uma crise econômica, estando muito provavelmente à beira do default: "Assim que a epidemia se instala, surgem os problemas econômicos".
"Na Argentina o pânico é maior porque temos muito contato com pessoas que vêm e vão da Europa, algo que não acontece tanto em outros países da América Latina. O governo está lidando com a possibilidade de estarmos em uma situação com progressões mais parecidas com as da Itália", disse Burdman.
Coronavírus na América Latina: os opostos se atraem
As nações latino-americanas têm populações densamente concentradas em cidades e sistemas de saúde precários. Embora os números na região ainda não tenham disparado em relação à Europa, um surto pode ter consequências catastróficas para os mais vulneráveis.
As medidas de prevenção e contenção mudaram muito ao longo dos anos e ainda são desiguais em toda a região: alguns países ainda não decretaram a quarentena ou o encerramento das fronteiras.
Já há casos confirmados em todos os países do continente, mas alguns líderes estão enviando sinais confusos que contradizem as recomendações de especialistas e autoridades em todo o mundo.
São os casos do Brasil, dirigido por um presidente conservador, e do México, governado por Manuel López, um progressista.
Pandemia no Brasil
No Brasil, a ausência de um decreto federal de confinamento obrigatório, como já acontece em parte do continente, cidades superlotadas como São Paulo e Rio de Janeiro acumulam o maior número de infecções e mortes. Neste contexto, tem havido inúmeras críticas ao presidente do país, Jair Bolsonaro.
Uma pesquisa revelou que um terço dos cidadãos brasileiros considera a gestão da pandemia por Bolsonaro "má ou muito má". O presidente chamou de "histérica" a preocupação com o avanço do coronavírus, e organizou manifestações maciças de apoio nesse sentido quatro dias após a declaração oficial da COVID-19 como pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
"Alguns vão morrer do vírus? Sim, eles vão. Alguns porque já tinham alguma deficiência pré-existente; outros porque serão apanhados desprevenidos. Sinto muito. A minha mãe, que tem 92 anos, se ela apanha alguma coisa, acho que nos vai deixar. Mas não podemos criar todo aquele clima lá fora. É ruim para a economia", disse Bolsonaro em uma entrevista à emissora SBT.
Pandemia no México
Longe de dar um exemplo para o resto da sociedade, o papel do presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador também é fortemente criticado pelo tom cético com que tem lidado com a pandemia, e pela sua recusa em implementar as recomendações das organizações internacionais de saúde.
Dias depois da declaração da pandemia, o presidente do México continuou a organizar eventos públicos, recomendando continuar abraçando e beijando, contra todas as diretrizes da Organização Mundial da Saúde e sua sucursal regional, a Organização Pan-Americana da Saúde, e sua campanha de conscientização global sob o slogan "lavagem de mãos e distância social".
Pelo contrário, AMLO (como o presidente é conhecido) insistiu em não tomar medidas drásticas até ser necessário, posição que teria resultado nos exemplos de crises de saúde atualmente vividas pela Itália e Espanha.
Assim, o coronavírus não só levou a Argentina a superar sua polarização política interna em favor da saúde nacional, mas também alinhou dois líderes latino-americanos de ideologias completamente opostas, Bolsonaro e López Obrador, em favor da economia.