"O coronavírus pode aumentar a instabilidade social na América Latina no médio prazo. Já se vê nos momentos críticos que estão acontecendo na Europa [...] que dependerá dos resultados: se não forem bons, os governos começarão a se deteriorar tão rapidamente quanto subiram. Seria um resultado bastante catastrófico para a América Latina", disse Callis, diretor da área eleitoral da Fundação Chile21.
Como pode ser lido em seu site, a Chile 21 é um centro de estudos que busca refletir sobre políticas públicas, buscar mais liberdade, igualdade, participação, solidariedade e justiça social.
Por sua parte, Paz y Miño, cientista político, professor universitário e diretor acadêmico da Associação de Historiadores da América Latina e do Caribe no Equador, declarou à Sputnik que haverá um "maior nível de críticas e protestos" se os governos mantiverem as mesmas linhas de ação que eles usaram antes.
Além disso, ele sustentou que o conflito social vai aumentar, porque está a caminho de uma "inevitável recessão econômica mundial".
"O nível de críticas aos governos também aumentará, porque os conceitos de neoliberalismo estão sendo questionados, o papel do Estado e a necessidade de financiamento sólido serão revistos [...] A necessidade de fazer política social está sendo marcada e não com base nos privilégios das elites econômicas", acrescentou Paz y Miño.
Na Bolívia, Chile, Colômbia e Equador, protestos maciços contra governos eclodiram em 2019 e mesmo em alguns desses países, as forças policiais e militares foram às ruas para interromper os protestos, resultando em dezenas de mortes e centenas de feridos.
Em alguns países, como o caso do Chile, o conflito e os protestos ainda duraram até dias antes da decretação do primeiro caso da COVID-19.
'Eleições contaminadas'
Nas últimas semanas, e diante da crise causada pelo novo coronavírus, Chile, Uruguai, Bolívia, EUA e Equador têm discutido se adiarão ou não as diferentes eleições, algumas nacionais, outras locais, que devem ocorrer nos próximos meses naqueles países.
Nesse cenário, os analistas se perguntam como as medidas dos governos em relação ao coronavírus terão impacto nas próximas eleições.
"Essa avaliação influenciará os processos eleitorais, que serão contaminados pelo efeito do coronavírus. Isto é, serão marcados pelo desempenho que os governos tiveram na luta pela saúde", explicou Callis.
O especialista apontou que na Europa nenhum governo está lucrando com essa situação.
"À medida que o número de mortos aumenta, os governos serão enfraquecidos em termos de gerenciamento da emergência. A possibilidade de os governos saírem disso de uma maneira boa parece ser muito pequena", refletiu.
O sociólogo chileno argumentou que, apesar de, no curto prazo, os povos dos países latino-americanos sentirem uma certa unidade e apoiarem os governos, no longo prazo eles terão uma posição diferente.
"Se compararmos a situação da América Latina com a Europa, nossos países têm pouca capacidade de registrar casos de coronavírus. Isso pode ser muito significativo em termos de danos à democracia, devido à ineficácia e falta de recursos que nossos Estados possuem", afirmou.
Novo modelo
Por sua parte, Paz y Miño afirmou que a crise dos coronavírus não afetará apenas os processos eleitorais, mas também as instituições dos próprios Estados, porque, como a maioria dos governos da América Latina, são "conservadores" e tiveram que revisar muitos dos conceitos que defendiam historicamente.
"A situação atual mostra que são necessários estados fortes, com altas capacidades, capazes de cobrir não apenas infraestrutura, mas também recursos para populações emergentes. Isso colide com todas essas ideias de privatização, redução de Estados e incentivo à livre iniciativa privada. O neoliberalismo foi quebrado em seus conceitos", refletiu.
O historiador equatoriano considerou que isso não está acontecendo apenas na América Latina, mas também na Europa e nos Estados Unidos.
"No Equador, a partir de agora as pessoas estão reagindo. O governo acabou de pagar US$ 324 milhões em títulos de 2020, a crítica foi aberta imediatamente. Era preferível pagar a dívida externa em vez de cuidar da saúde coletiva", explicou.
Além disso, nos EUA há uma crítica recente à política do presidente Donald Trump de não ordenar quarentenas, observou ele.
"Por outro lado, na Europa, modelos sociais como o Plano Marshall, criado para recuperar o continente após a Segunda Guerra Mundial, são necessários, e também se fala da necessidade de um 'novo acordo' que reviva as políticas do presidente Franklin. D. Roosevelt (1933-1945), que enfrentou a crise da década de 1930 nos Estados Unidos", refletiu.
No final de 2019, a China relatou um surto de pneumonia na cidade de Wuhan, capital da província de Hubei, causada por uma nova cepa de coronavírus chamada SARS-CoV-2.
Em todo o mundo, 372.757 casos da COVID-19 foram registrados e 16.231 pessoas morreram da doença, de acordo com o último relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), divulgado na terça-feira.