Seguindo o exemplo do seu colega norte-americano, Donald Trump, o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, defendeu, na última terça-feira, uma abordagem menos restritiva no combate à pandemia da COVID-19, apontando para os riscos das perdas econômicas associadas a uma quarentena geral no país.
Em pronunciamento oficial, o chefe de Estado criticou autoridades estaduais e municipais brasileiras pelas medidas de confinamento adotadas, pedindo que abandonassem o "conceito de terra arrasada", alertando a população, ao mesmo tempo, para a necessidade de retornar à "normalidade", postura que foi amplamente criticada por outros políticos, especialistas, órgãos de imprensa e parte da sociedade civil.
Para o professor de Relações Internacionais Contemporâneas Pedro Costa Júnior, da Faculdade de Campinas (Facamp), tanto Trump quanto Bolsonaro estão indo na contramão do que vêm fazendo outras lideranças globais e das orientações do principal órgão do setor, a Organização Mundial da Saúde (OMS), que tem pedido aos governos e às pessoas para respeitar a quarentena, a fim de evitar uma propagação maior do novo coronavírus.
Em entrevista à Sputnik Brasil, o especialista lembra que, pelo fato de o vírus ainda estar em situação ascendente no Brasil e nos Estados Unidos, causa muita estranheza o posicionamento desses dois presidentes, considerados casos isolados nessa luta.
"São posições que atentam, podemos dizer assim, contra a própria razão humana", afirma o professor, destacando que essa atitude dos dois líderes coloca a vida de muitas pessoas em risco.
Embora Bolsonaro tenha adotado um comportamento muito semelhante ao de Trump, Costa Júnior considera muito delicado falar em um alinhamento automático do atual governo brasileiro ao governo dos EUA, mesmo que essa seja uma questão aparente nesse e em outros casos.
"A sua admiração pelos Estados Unidos, no nível pessoal, extrapola inclusive as barreiras que o cargo exige", opina. "E, mais uma vez, ele vem mostrando esse alinhamento, como fica claro nessa posição. Ele e o Trump, praticamente, dois casos isolados contra o mundo, contra as principais autoridades do mundo."
Apesar desse suposto alinhamento, o analista acredita que há também diferenças entre os dois governos na maneira de conduzir a crise provocada pelo surto global do novo coronavírus.
De um lado, explica o acadêmico, as medidas tomadas pela Casa Branca para enfrentar o caos econômico foram no sentido de injetar valores extraordinários na economia, por parte do Estado, decisão que foi tomada inclusive com participação, "e pressão", de opositores, os democratas. De outro, no Brasil, o Palácio do Planalto tentou levar adiante uma estratégia contrária, baseada no corte de gastos.
"O presidente Bolsonaro, aqui, sugeriu o contrário. Sugeriu exatamente uma MP, que foi conhecida como MP da Morte, que é o corte de gastos, uma política anticíclica, retracionista nessa crise toda. Um caso raro e que, obviamente, não passou, devido à pressão de todos os lados", ressalta. "Nesse caso, destoante até do grande exemplo do presidente Bolsonaro, que seria o governo Trump."
Segundo o professor, esses últimos desenvolvimentos mostram uma "completa desorientação e desentendimento do presidente Bolsonaro" em relação à atual realidade mundial, não apenas no que diz respeito à pandemia em si, em seu caráter científico, mas também no que se refere ao seu impacto econômico.
"E [mostra] a inaptidão do seu ministro da Economia, o Paulo Guedes, de onde, naturalmente, surgiu essa ideia, e que sumiu também nesse momento. Nós não vemos mais o Paulo Guedes. Eu chamo a atenção para esse fato, ele não aparece mais, sumiu nesse momento crítico da economia brasileira. Essa é uma diferença crucial, que precisa ser marcada."