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Presídios: o que fazer quando o confinamento ajuda a espalhar COVID-19?

Com o avanço do coronavírus no Brasil, veio uma nova preocupação: como fazer para que a doença não se espalhe dentro do sistema carcerário? A Sputnik Explica nesta semana quais medidas estão sendo discutidas para tentar frear a COVID-19 nas prisões.
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Segundo números do Depen (Departamento Penitenciário Nacional), no Brasil são mais de 750 mil pessoas presas. Destes 750 mil, mais de 10 mil detentos têm mais de 60 anos. Um levantamento feito pelo órgão mostra também que 40% das unidades não têm consultório médico e 90% não possuem alas ou celas exclusivas para idosos.

No Brasil, as visitas foram suspensas há quinze dias nos presídios federais. Nos estaduais, depende de cada governo. Até o momento em pelo menos 20 estados e no Distrito Federal, houve suspensão das visitas.

Segundo os últimos dados disponíveis em uma plataforma do Depen, no momento há nas cadeias brasileiras 76 casos suspeitos do novo coronavírus. Até a publicação deste texto, nenhum dos casos suspeitos recebeu a confirmação de que se trata do novo coronavírus.

'Não há motivo para temor', diz Moro

No dia 24 de março, o Ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, autorizou o uso de R$ 107 milhões de reais das transferências Fundo a Fundo, realizadas no final de 2019, para serem empregados em ações de custeio e investimento para combater a crise do Coronavírus.

O ministro concedeu uma entrevista coletiva nesta terça-feira (31) e disse que as medidas adotadas pelo governo federal e pelos governos estaduais devem minimizar a disseminação da doença nas unidades prisionais.

Presídios: o que fazer quando o confinamento ajuda a espalhar COVID-19?

"Não existe nenhum motivo para um temor infundado em relação ao sistema penitenciário. Não existe nenhum caso confirmado de infectado. Recebi a notícia hoje de um preso, em Bagé (RS), que teria supostamente testado positivo. Se esse fato se confirmar, era um preso que estava em prisão domiciliar e teria sido infectado após ser hospitalizado, ou seja, não aconteceu dentro do ambiente do cárcere. O que temos visto no mundo inteiro é que o número de infectados dentro do sistema prisional é muito pequeno", afirmou em coletiva de imprensa no Palácio do Planalto.

'Capacidade de enfrentamento da COVID-19 nas cadeias é praticamente zero'

Segundo o Monitor da Violência, publicado pelo portal G1, há no Brasil um déficit de 287 mil vagas no Brasil, fazendo com que as prisões brasileiras operem com 67,8% acima da capacidade.

Em entrevista à Sputnik Brasil, David Marques, coordenador de projeto do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, disse que o sistema carcerário brasileiro ainda "não está preparado para enfrentar o novo coronavírus".

"Essa superlotação acaba impedindo que você possa oferecer condições mínimas de cumprimento de pena para as pessoas privadas de liberdade. Isso se reflete em um nível de acometimento por outras doenças que fora do cárcere são mais facilmente tratáveis", afirmou.

Segundo David Marques, o governo enfrentará dificuldades para conseguir cumprir as medidas adequadas para conter a COVID-19.

"Nesse contexto de pandemia, considerando essa possibilidade de uma contaminação mesmo dentro das unidades, a possibilidade de enfrentar esse problema é praticamente zero. Porque, entre outras coisas, você não tem espaço para separar essas pessoas, não tem mão de obra de saúde suficiente para oferecer um tratamento adequado. Se a situação para o Brasil enfrentar essa pandemia já é complicada fora do sistema prisional, dentro ela fica mais dramática ainda", conclui.

Como o mundo tem enfrentado a COVID-19 nas prisões?

A preocupação com a disseminação do novo coronavírus dentro dos presídios fez com que vários países adotassem medidas drásticas para tentar diminuir o número de infectados.

O Irã tomou uma decisão radical e libertou cerca de 85 mil presos, aproximadamente um terço de toda população carcerária do país. A determinação serviu inclusive para presos políticos.

Presídios: o que fazer quando o confinamento ajuda a espalhar COVID-19?

A proibição de visitas ou saídas temporárias surtiram efeitos negativos na Itália, onde ao menos 22 presídios registraram rebeliões.

Nos Estados Unidos, país com a maior população carcerária do mundo, onde aproximadamente 2,3 milhões de pessoas vivem atrás das grades, a pressão pela libertação de alguns presos é grande.

Em Los Angeles, o xerife Alex Villanueva pediu que só fossem efetuadas prisões de suspeitos considerados perigosos e que libertassem pessoas que estivessem com sentenças menores que se encontravam a 30 dias da soltura e também de pessoas que tinham fiança estipulada a um valor inferior ao de US$ 50 mil (R$ 263 mil).

As medidas adotadas por Villanueva reduziram a população carcerária em 600 pessoas.

Em Nova York, o diretor médico de Serviços Correcionais pediu que promotores e juízes apressassem a libertação de presos considerados vulneráveis. Iniciativas semelhantes também ocorreram em Cleveland e Michigan.

Impedimento de envio de itens de higiene pode gerar mais rebeliões, diz Pastoral Carcerária

Pelo menos 1.379 presos fugiram de quatro unidades prisionais do estado de São Paulo durante rebeliões no mês passado contra a decisão da Justiça em suspender a saída temporária de mais de 34 mil detentos para evitar risco de contágio pelo coronavírus. Outras rebeliões pelo mesmo motivo foram registradas no Rio Grande do Sul e em Goiás.

Presídios: o que fazer quando o confinamento ajuda a espalhar COVID-19?

A Irmã Petra Silvia Pfaller, coordenadora nacional da Pastoral Carcerária, organização religiosa que atua dentro das prisões, explica que a suspensão das visitas, apesar de correta, faz com que os presos deixem de receber produtos de higiene pessoal enviados pelos familiares.

"Algumas unidades prisionais e parte da população carcerária entendem muito bem esse impedimento das visitas, o problema é o que os familiares levam lá. Isso já desencadeou rebeliões. A gente recebeu muitos vídeos feitos de celulares passando para os familiares pedindo ajuda e eu acredito que eles continuam restringindo mais ainda propriamente as entradas [de objetos] e isso vai gerar mais rebelião", disse à Sputnik Brasil.

Segundo Irmã Petra Silvia Pfaller, não há sequer celas vazias para conseguir isolar os casos de presos suspeitos de estarem com o novo coronavírus.

"No site do Depen consta para que seja feita a higienização das celas diariamente e o isolamento dos presos. Eu acho impossível, como eu conheço os presídios, em uma cela com 30 e 40 pessoas dormindo no chão, como que se faz uma higienização diariamente? Isolamento onde? Não tem nenhum presídio vazio, nem uma ala vazia e nem cela vazia", questiona.

CNJ recomenda revisão de prisões provisórias

Para prevenir a propagação do coronavírus nas prisões, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) emitiu no dia 17 de março uma série de recomendações a juízes e tribunais.

Pela recomendação do CNJ, os magistrados devem revisar se ainda há motivos para cada prisão provisória, nos termos do Artigo 316 do Código de Processo Penal (CPP). Nesse processo, devem ser priorizadas gestantes, lactantes, mães ou pessoas responsáveis por criança de até 12 anos, idosos, indígenas, pessoas deficientes ou que se enquadrem no grupo de risco.

Após os grupos acima, devem ser priorizadas pessoas presas em estabelecimentos superlotados, que não disponham de equipe de saúde própria ou que disponham de instalações que favoreçam a propagação do novo coronavírus, entre outros pontos, recomenda o CNJ.

Para David Marques, o mais importante é isolar as pessoas presas dos chamados grupos de riscos.

"O CNJ tem uma visão muito relevante sobre esse assunto, acho também que diversos estados têm feito e têm apostado que é importante construir grupos e comitês discutindo essa recomendação do CNJ para que você possa, com uma análise criteriosa de cada um dos casos, ter essa medida preventiva. O que é mais importante nesse caso é que você tenha essa prevenção garantindo que você possa colocar essas pessoas em um outro regime de cumprimento de pena", afirmou.

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, disse que é preciso uma análise caso a caso e os juízes não devem liberar detentos envolvidos com facções criminosas.

"Tem que se tomar um certo cuidado na soltura de presos que possam oferecer riscos à população, como, por exemplo, membros do crime organizado e, infelizmente, temos visto algumas notícias nesse sentido", afirmou o ministro.

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