Na última quarta-feira (8), o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), acatou um pedido da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para proibir o presidente Jair Bolsonaro de desrespeitar decisões de governadores e prefeitos de estabelecer regimes de quarentena em seus estados e municípios, conforme recomendado pelas principais autoridades de saúde pública do mundo.
Em sua decisão, Moraes destacou a grande divergência de postura entre autoridades em diferentes níveis, o que, segundo ele, traria insegurança e receio para toda a sociedade.
Ao contrário das orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS), Bolsonaro vem defendendo um relaxamento do isolamento social no Brasil, a fim de minimizar os impactos econômicos do surto do novo coronavírus. Tal posicionamento, no entanto, tem sido alvo de duras críticas dentro e fora do país, sendo considerada por muitos uma atitude irresponsável do chefe de Estado brasileiro.
De acordo com o advogado Acácio Miranda da Silva Filho, especialista em direito constitucional, a Constituição Federal determina, em seu Artigo 2º, a manutenção do pacto federativo, que trata da divisão de competências entre União, estados e municípios. E a regulamentação, por exemplo, do horário de funcionamento de determinados estabelecimentos, um dos principais pontos das quarentenas, e de suas atividades é de responsabilidade do poder municipal.
"Diante disso, a Ordem dos Advogados do Brasil o fez [o pedido] visando preservar algo que está consagrado pela nossa Constituição Federal", disse ele em entrevista à Sputnik Brasil.
Para Silva Filho, quando Bolsonaro ameaçou, na última semana, reabrir o comércio no país, através de um decreto, ele deve ter julgado estar amparado pelo Artigo 170 da CF, que confere à União a manutenção da ordem econômica, o que poderia configurar um conflito envolvendo dois preceitos constitucionais. Ocorre que, por decisão do STF, o entendimento é o de que o pacto federativo deve prevalecer sobre a ordem econômica e, dessa forma, o presidente é obrigado a respeitar as decisões dos estados e dos municípios.
"Sob o viés socioeconômico, a medida do presidente da República tem fundamento. Os efeitos econômicos desta crise serão devastadores para o Brasil. Mas, aí, é importante nós filosofarmos, é importante nós pensarmos sobre o seguinte: o que deve prevalecer, a saúde pública de uma parcela considerável da população ou a ordem econômica?", questiona o especialista.
Em pronunciamento feito na noite de ontem, Jair Bolsonaro fez questão de destacar que não foi consultado por governadores e prefeitos que adotaram medidas restritivas no combate à propagação da COVID-19. No entanto, segundo o advogado ouvido pela Sputnik, levando em conta ainda os princípios do pacto federativo, não há nada que obrigue os chefes do executivo municipal ou estadual a ouvir a opinião do presidente antes de tomarem ações de sua competência.
"Apesar desta falta de obrigação, seria de bom tom, e todos nós concordamos com isso, que todas as medidas fossem orquestradas pela União, pelos governadores e pelos municípios. Para que nós tivéssemos medidas uníssonas e, mais do que isso, para que o combate ao coronavírus não fosse objeto de uma discussão política."
Segundo o cientista político Geraldo Tadeu Monteiro, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), não apenas no Brasil, mas em todo o mundo, há lideranças divididas entre medidas de ordem restritiva, sanitária, e medidas de ordem econômica. Mas, em sua opinião, ao contrário do que vem sendo propagado em alguns casos, não há necessariamente uma incompatibilidade entre essas abordagens.
"Na verdade, as medidas de ordem sanitária são absolutamente imperiosas, necessárias. E as consequências econômicas dessa paralisação é que precisam ser preenchidas pela ação decidida dos Estados. Então, todas as ajudas e financiamentos, refinanciamentos e medidas de ordem econômica que possam compensar essa parada na atividade são muito importantes. Quer dizer, não há incompatibilidade", disse ele também em declarações à Sputnik.
Tadeu acredita que o presidente Jair Bolsonaro está fazendo uma "leitura estritamente política" dessa crise, ao considerar que a falta de atividade econômica poderia resultar em "processos de revolta social que poderiam comprometer o desempenho do seu governo".
"Essa é a leitura que ele faz, estritamente personalista, estritamente individualista e estritamente política da questão."
Para o cientista político, essa situação atual, bastante nova para, terá, sem dúvidas, consequências profundas na organização do trabalho, nas relações pessoais e em outras questões.
"Acho que todos aqueles que terão vivido essa pandemia terão novas concepções a respeito do trabalho, a respeito da política, a respeito do meio ambiente, a respeito do papel do Estado e a respeito das relações sociais como um todo. Mas é muito cedo para dizer ainda como será a recomposição da vida em sociedade."