Como tem sido comum ao longo das últimas semanas, nesta quarta-feira (15), mais uma vez, o cenário político brasileiro foi abalado por conta de choques entre o Ministério da Saúde e o Palácio do Planalto em torno do surto do novo coronavírus.
No início do dia, o secretário de Vigilância em Saúde da pasta, Wanderson Kleber de Oliveira, pediu demissão, explicando, em carta, que a saída do ministro Luiz Henrique Mandetta também era questão de horas ou dias.
Nesta tarde, no entanto, em coletiva de imprensa, Mandetta rejeitou a saída de Wanderson e disse que os dois, juntamente com o secretário-executivo João Gabbardo, entraram juntos e deixarão juntos o Ministério da Saúde quando chegar o momento.
Desde o início da crise da COVID-19 no Brasil, o ministro da Saúde vem defendendo o respeito às recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) como melhor forma de combater a propagação dessa grave doença pelo país, sobretudo no que diz respeito ao distanciamento social, considerado internacionalmente a medida mais efetiva na luta contra o coronavírus.
Nas últimas semanas, entretanto, tais medidas passaram a ser alvo de duras críticas por parte do presidente Jair Bolsonaro, que vem pregando não apenas a necessidade de um relaxamento do isolamento social, de maneira a reduzir o impacto na economia, como tem "receitado" o uso da polêmica cloroquina (ou hidroxicloroquina) para pacientes infectados pela COVID-19, o que o ministro considera perigoso — por aumentar o risco de infarto e arritmia — e, por isso, se recusa a recomendar.
Em mais de uma ocasião, nos últimos dias, fontes citadas por diferentes órgãos de imprensa afirmaram que, incomodado com a posição do ministro, Bolsonaro estava pronto para demitir Mandetta e, segundo reportagem de hoje da revista Veja, só não o teria feito ainda porque não encontrou um substituto à altura até o momento.
Se, por um lado, as decisões do ministro da Saúde têm irritado o presidente, por outro, têm agradado a boa parte da população e das autoridades, incluindo aliados do governo. Alguns, preocupados com o desgaste dessa situação, vêm tentando buscar uma saída para essa crise política em meio à crise sanitária, defendendo a união de esforços entre as duas partes em conflito.
"Presidente, o momento é de união entre o senhor e o ministro Mandetta. Toda a sociedade brasileira vai aplaudir essa união. Demonstra a humildade que faz parte da sua personalidade. Ensina isso aos seus ministros, com esse gesto. Não demita o ministro Mandetta. Com certeza, sem essa pressão toda, essa equipe vai trabalhar, vai produzir muito mais para o nosso país", declarou o senador Nelsinho Trad (PSD-MS) em vídeo enviado por sua assessoria à Sputnik Brasil.
De acordo com o presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (Cremerj), o endocrinologista Sylvio Provenzano, em recente contato que teve com Luiz Henrique Mandetta, o ministro já havia deixado transparecer "a consciência de que, possivelmente, a saída dele do Ministério da Saúde era uma questão de tempo".
Em entrevista à Sputnik, Provenzano pontua que, pelo fato de o cargo de ministro ser da confiança estrita do chefe de Estado e os dois apresentarem posições opostas sobre a abordagem à epidemia da COVID-19 no Brasil, é natural que o presidente tome uma atitude mais séria em relação a isso.
"Quando a pessoa que é de total confiança do presidente diverge dele publicamente, como aconteceu, evidentemente que o presidente tem que tomar alguma atitude, e era aquilo que o ministro, de certa forma, expressou que poderia acontecer", afirma o especialista.
No entendimento do presidente do Cremerj, o cargo ocupado hoje por Mandetta é um cargo de gestor, que não exige que seu ocupante seja, necessariamente, um médico. No caso de uma substituição, ele acredita que o nome indicado para a pasta precisa ser de alguém "afinado com as necessidades da saúde da população brasileira".
"É bem verdade que, normalmente, são os médicos que estão mais afeitos às necessidades da população no campo da saúde. Mas tem que ser um gestor. E um gestor que, de repente, entenda as necessidades do presidente e da população e um gestor que também ouça os órgãos importantes que controlam a saúde no mundo", opina. "O gestor deve ouvir a todos e, conjuntamente, traçar o melhor plano em relação a isso."
Segundo Provenzano, caso se confirme a saída do atual ministro, a expectativa da categoria é a de que seu eventual substituto "olhe para a saúde da população sempre em benefício dessa saúde, que ele procure a saúde a nível de prevenção, cuidando das medicinas de família, que ele procure ampliar o programa de cobertura de medicamentos que são tão importantes, com relação às doenças crônicas, e que ele tenha um canal aberto, como, aliás, o ministro Luiz Henrique Mandetta teve, um canal aberto com as associações médicas, com o Conselho Federal de Medicina, de modo a que ele possa ouvir as necessidades de todos nós que estamos na linha de frente, atendendo à população".