Especialistas: conversas EUA-Talibã não trarão paz já que Cabul não tem papel no processo

À medida que os EUA e o Talibã avançam com reuniões para discutir a implementação do acordo de paz de fevereiro, o acordo parece estar se desmoronando, dizem especialistas.
Sputnik

As negociações internas afegãs parecem estar atrasadas, uma vez que o governo afegão continua sendo excluído de quaisquer conversações. Tanto o Talibã (organização proibida na Rússia e em outros países) como Washington estão utilizando as falhas do acordo apenas para seus próprios interesses, afirmam especialistas à Sputnik.

O acordo há muito esperado entre os Estados Unidos e o Talibã, que visava acabar com quase duas décadas de violência na nação asiática, foi assinado em 29 de fevereiro. No entanto, sete semanas depois, o país ainda enfrenta violência e repetidos ataques dos militantes Talibã, e as condições para as conversações intra-afegãs, principalmente a libertação dos prisioneiros, não foram cumpridas.

Na semana passada, a implementação do acordo EUA-Talibã foi discutida pelo general Scott Miller, comandante das Forças dos EUA, que também chefia a atual missão de apoio da OTAN no Afeganistão, e a liderança talibã na capital do Qatar, Doha. Dias depois, Miller e Zalmay Khalilzad, representante especial dos EUA para o Afeganistão, se reuniram com o Talibã em Doha para o mesmo fim.

As negociações estavam inicialmente previstas para 10 de março, mas foram repetidamente adiadas devido a uma série de desacordos, principalmente devido à continuação da violência talibã, aos confrontos entre os militantes e as forças governamentais, e aos atrasos na troca de prisioneiros.

Governo afegão de fora

Bilquees Daud, investigadora associada sênior da Universidade Global O.P. Jindal, acredita que a razão pela qual o processo de paz não está sendo levado a bom porto é que o acordo de fevereiro foi selado somente entre os Estados Unidos e o Talibã. Já o governo afegão ficou excluído do processo.

"O governo afegão não tem nenhum papel aqui. Até mesmo o cessar-fogo foi definido no acordo como a redução da violência apenas contra as forças da OTAN. Portanto, é muito improvável que estas reuniões tragam paz ao Afeganistão", disse ela em declarações à Sputnik.

Segundo Daud, um acordo assim dificilmente traria paz sustentável à região, e a única saída é iniciar conversações intra-afegãs com estratégias concretas. Todo o processo de paz tem falhas, porque Washington só se preocupa com seus próprios interesses, acrescentou ela.

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"O cenário sociopolítico do país mudou drasticamente nos últimos 20 anos, portanto não tenho a certeza se o Talibã está pronto para aceitar essas mudanças e modificar suas exigências. Se não o fizer, os afegãos dificilmente aceitarão o tipo de governo que o Talibã está exigindo", concluiu.

Divergências fundamentais

O governo afegão e o Talibã ainda têm "problemas fundamentais" nos termos do acordo de paz, disse Raghav Sharma, professor associado e diretor do Centro de Estudos do Afeganistão da Universidade Global O. P. Jindal.

Os combatentes do Talibã acusam a administração Trump de violar o acordo de paz lançando investidas e ataques com drones em todo o país, acusações que os militares norte-americanos consideram infundadas.

Kabul e Washington, por sua vez, criticam o Talibã por repetidos ataques às forças afegãs. Os militantes argumentam que concordaram em reduzir a violência contra as tropas da OTAN, mas não contra os militares afegãos.

"Estas divergências fundamentais, associadas à mudança do equilíbrio de forças no campo de batalha e ao imbróglio político em Cabul, dificultarão terrivelmente a realização de progressos tangíveis nestas reuniões para reduzir a violência no terreno", concluiu Sharma.

Ele acrescentou que o fato de Cabul ter sido afastado do processo de negociação lançou "uma sombra sobre a legitimidade" da solução do conflito.

Segundo Sharma, as conversações de paz propostas entre Cabul e o Talibã podem não "ter os frutos previstos".

"O fato é que, para que o diálogo intra-afegão conduza a uma legitimidade pan-afegã e contribua para uma solução negociada significativa, ele deve não só refletir a mudança do cenário sociopolítico do país, mas deve existir um consenso na elite no Afeganistão sobre a necessidade e o roteiro de tal diálogo", disse ele.

Prisioneiros são moedas de troca no diálogo com o Talibã

Relativamente ao futuro das conversações de paz internas afegãs, Sharma acredita que o governo afegão está bem ciente de que os prisioneiros são "uma das poucas, mas importantes moedas de troca" no período que antecede qualquer diálogo com o Talibã.

"Há poucos sinais de que eles [Cabul] estejam dispostos a dar essa vantagem ao Talibã, que ganhou ímpeto no campo de batalha", disse.

O governo liderado pelo presidente Ashraf Ghani inicialmente rejeitou os termos da troca de prisioneiros, que levaria à libertação de até 5.000 militantes do Talibã e 1.000 dos que estavam presos pelo Talibã. O governo anunciou então que iria libertar 1.500 militantes, mas sob certas condições.

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Conforme o acordo EUA-Talibã, pelo menos 661 prisioneiros do Talibã foram libertados pelas autoridades afegãs até agora, enquanto o grupo militante libertou 40 prisioneiros do governo.

Talibã quer saída dos EUA para chegar ao poder

Nishank Motwani, especialista em estratégia, segurança e competição regional, acredita que o Talibã persegue seus próprios objetivos ao concordar em se reunir com as autoridades norte-americanas.

"A curto prazo, estas reuniões podem contribuir para a implementação do acordo EUA-Talibã, mas não acontecem porque o Talibã queira a paz ou procure partilhar o poder. A ressalva aqui é que a implementação do acordo seria porque o Talibã quer facilitar uma saída dos EUA do Afeganistão para que possa capturar o poder", disse ele à Sputnik.

Motwani também sugeriu que a liderança do Talibã também poderia usar a tática de reduzir a violência apenas para libertar mais combatentes seus.

"O Talibã conhece e está explorando ativamente a posição declarada dos EUA de sair do Afeganistão antes de meados de 2021 e das próximas eleições presidenciais norte-americanas, em novembro de 2020, para obter o máximo de ganhos no período restante. O objetivo é enfraquecer o governo afegão antes do início das negociações intra-afegãs", comentou.

As negociações entre Washington e o Talibã provavelmente continuarão enquanto os EUA estiverem investindo nelas, de acordo com o especialista. No entanto, o fato de as negociações terem falhado tão cedo mostra que elas não visam forçar os militantes do Talibã a depor as armas ou compartilhar o poder, opina o especialista.

De acordo com Motwani, a redução da violência foi uma condição insuficiente para pressionar as conversações intra-afegãs.

"Nos 19 anos de guerra [...] é risível que o melhor que os EUA puderam fazer foi conseguir que o Talibã reduzisse a violência por uma semana", concluiu Nishank Motwani.

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