As autoridades da cidade especificaram que "a metodologia, já usada em outros países, preserva a identidade dos corpos e laços familiares, com a distância entre caixões e com a identificação de sepulturas".
Marcelo Seráfico, sociólogo e professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Amazonas, lamentou o fato de Manaus ter mobilizado a atenção do Brasil e do mundo em função dos "efeitos trágicos do coronavírus sobre a população e, particularmente, sobre os mais pobres".
Segundo o sociólogo, o avanço da contaminação, que já soma mais de 2.300 casos confirmados e cerca de 170 óbitos, está intimamente associado à situação social vivida pela maioria dos habitantes da cidade e à precarização dos serviços públicos, de um modo geral, mas particularmente os de saúde.
"Com desemprego próximo a 13% da população econômica ativa, informalidade que beira 40%, bairros marcados pelo adensamento de moradias e por domicílios hiper adensados, a propagação do vírus encontra condições extremamente favoráveis. Esse quadro se agrava ainda mais por conta da insuficiência de leitos de UTI - que são cerca de 370, entre públicos e privados - para atender os casos mais graves da doença, da dificuldade de se criar um sistema de produção de informação e acompanhamento da evolução da doença em meio ao colapso, e de dispor dos recursos humanos e materiais necessários para evitar o pior", disse Marcelo Seráfico à Sputnik Brasil.
O especialista acrescentou que os problemas não são de hoje e que foram evidenciados pela "agressividade do vírus e a negligência histórica de governos que vem fragilizando há tempos o Sistema Único de Saúde e favorecendo o avanço dos serviços privados".
"O resultado dessa imprevidência, dessa imprudência e irresponsabilidade são os containers com corpos, as covas coletivas, os enterros em massa, famílias destroçadas e uma cidade em que o medo paira no ar", disse o professor.
Para ele, as autoridades demoraram para agir e os problemas médicos se misturam aos políticos.
"A demora inexplicável do governo federal para oferecer apoio aos trabalhadores desempregados, aos autônomos, aos pequenos empresários para se manterem em isolamento social; o estímulo criminoso do senhor presidente da república para que as pessoas desrespeitem essa orientação; e a liquidação progressiva do SUS revelam-se, em Manaus, condições políticas agravantes da calamidade sanitária vivida pela cidade", concluiu o entrevistado.
População não respeita quarentena
Melka Franco Guimarães, médica pediatra em Manaus, reiterou a importância do isolamento e destacou que as pessoas não têm respeitado o isolamento social na cidade.
"Apesar de todos os dados, da gente ter a pior taxa de incidência e a pior taxa de mortalidade do país as pessoas estão na rua. O negócio está feio para a gente. O sistema não vai colapsar, já colapsou, isso já aconteceu", disse médica para Sputnik Brasil.
Ela destacou a importância de conscientizar a população sobre os riscos, mas acredita que a situação pode piorar ainda mais na capital do Amazonas.
"Isso tudo gera vários sentimentos [...] passam desde a aceitação à impotência. Mesmo tentando comunicar, as pessoas continuam saindo sem necessidade. Infelizmente vai piorar ainda, já temos mais de 2 mil casos e muita gente não está ligada no que está acontecendo. É agoniante jogar essas palavras ao vento, mas vai piorar ainda, porque os servidores e agentes de saúde estão ficando doentes", concluiu Melka.