Europa: alerta de cloroquina falsa e referência a estudo de Manaus sobre riscos no uso para COVID-19

A Agência Europeia de Medicamentos (EMA) reforçou, nesta quinta-feira (23), os “sérios efeitos colaterais” que podem surgir pelo uso de cloroquina no tratamento de pacientes com a COVID-19. Dias antes, um grupo de trabalho ligado à entidade alertou para a circulação de medicamentos falsificados com a substância na Europa.
Sputnik

De acordo com a publicação da agência, a cloroquina e a hidroxicloroquina têm o potencial de causar problemas no coração, que podem ser ainda maiores em tratamentos com o uso combinado de outras substâncias.

No texto, a EMA diz que "estudos recentes mostram sérios, em alguns casos fatais, problemas no ritmo cardíaco com a cloroquina ou hidroxicloroquina, em particular quando tomadas altas doses ou em combinação com o antibiótico azitromicina". A agência reforça que "além dos efeitos colaterais que afetam o coração, podem causar problemas no fígado e nos rins, danos nas células nervosas que podem levar a convulsões e baixo nível de açúcar no sangue (hipoglicemia)".

Um dos dois estudos apresentados como referência pela EMA na publicação é o CloroCovid-19, conduzido por um grupo de mais de 70 pesquisadores brasileiros com 81 doentes em Manaus, Amazonas. Onze deles morreram.

O estudo rendeu polêmica internacional. Uma reportagem do jornal norte-americano The New York Times, que chama a atenção para os resultados e as mortes, passou a ser utilizada para críticas e acusações contra os cientistas brasileiros. O grupo começou a ser ameaçado e a polícia investiga o caso. Entidades como a Academia Brasileira de Ciência, a Sociedade Brasileira de Virologia e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), da qual fazem parte alguns pesquisadores, se posicionaram em defesa do grupo e da validade do estudo.

Europa: alerta de cloroquina falsa e referência a estudo de Manaus sobre riscos no uso para COVID-19

A pesquisa dividiu os pacientes em dois grupos: um recebeu 600 mg da substância duas vezes ao dia, por dez dias, e o outro recebeu 450 mg, duas vezes ao dia no primeiro dia e uma vez ao dia por mais quatro dias. Os resultados, publicados no último dia 11, apontam que "a dose mais alta não deve ser o recomendado para o tratamento da COVID-19 devido aos seus riscos potenciais à segurança", lê-se no texto.

De acordo com a Fiocruz, o estudo CloroCovid-19 tem aprovação da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep). "Assim que foram observadas as primeiras mortes de pacientes em uso de qualquer uma das doses de cloroquina, a Conep prontamente solicitou a análise dos dados: 11 pessoas (de ambos os grupos) haviam morrido por COVID-19, em uma média semelhante a mundial. Os indivíduos eram em maioria idosos, mostrando o mesmo perfil de pacientes graves em todo o mundo. Também se verificou que havia tendência de mais efeitos colaterais nos pacientes em uso da dose maior", diz a Fiocruz em nota publicada.

Falta de evidências

O uso da cloroquina no tratamento da COVID-19 gera inúmeras divergências entre cientistas, autoridades de saúde e governos de vários países. Em Portugal, que agora tem mais curados do que mortos pela doença e vem ganhando destaque internacional no cenário da pandemia, a substância entrou como opção de tratamento no final do mês passado.

A Direção Geral de Saúde (DGS) de Portugal dá como opção "a utilização de hidroxicloroquina 200 mg, um comprimido de 12 em 12 horas, ou de cloroquina 250 mg, 2 comprimidos de 12 em 12 horas, durante sete a 20 dias, em doentes com parâmetros clínicos mais graves no contexto hospitalar", explica à Sputnik Brasil o farmacêutico Diogo Matias, Doutor em Ciências da Saúde. No entanto, a DGS não divulga quantos pacientes já foram tratados com a substância no país.

O farmacêutico reforça que "os dados existentes sobre a sua eficácia são ainda muito limitados e até contraditórios, parecendo existir maior eficácia quando o tratamento é iniciado numa fase mais inicial da infecção e quando acompanhado por um antibiótico como a azitromicina, mas também podendo conduzir a complicações cardíacas e eventual prolongamento do tempo de internamento".

Diogo Matias diz que o aumento das notícias sobre uma possível eficácia da substância contra a COVID-19 gerou interesse da população na disponibilidade do remédio. "No entanto, em Portugal, a cloroquina não é comercializada e os seus similares, nomeadamente a hidroxicloroquina, são medicamentos sujeitos a receita médica, pelo que não podem ser adquiridos, exceto se existir prescrição", explica.

Alerta

No último dia 14, a agência reguladora de medicamentos de Portugal, Infarmed, circulou um alerta de um dos grupos de trabalho dos Chefes das Agências de Medicamentos (HMA), que coopera com a Agência Europeia de Medicamentos, sobre  embalagens falsas de cloroquina na Europa.

"O Working Group of Enforcement Officers (WGEO) [Grupo de Trabalho sobre Medicamentos Falsificados] divulgou um alerta referente ao produto Chloroquine phosphate, 250 mg, tablet, com número de lote ilegível e prazo de validade 11/2022, fabricado por Brown & Burk Pharmaceuticals limited, sito em Belgique – Bruxel. O mencionado fabricante não está autorizado pelas autoridades europeias (o único fabricante europeu com o nome Brown & Burk UK, Ltd. está localizado no Reino Unido, e não na Bélgica) e a rotulagem apresenta um erro de ortografia (a palavra 'Bruxel' em vez de 'Bruxelles')", lê-se na circular da Infarmed.

A Infarmed reforça que as medidas de segurança com relação ao uso de qualquer medicamento devem ser redobradas no cenário da pandemia. "Não existindo neste momento nenhum tratamento aprovado para esta doença, as primeiras indicações de relativo sucesso pelo uso da cloroquina originaram alguma expectativa na comunidade médica e científica, tendo-se iniciado vários ensaios clínicos. A eventual demonstração de eficácia deste medicamento irá certamente gerar um aumento da procura, que poderá ser aproveitado pelos grupos que realizam falsificação de medicamentos", analisa o farmacêutico Diogo Matias.

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