Após decidir ficar de fora da ação global para acelerar a produção de uma vacina contra COVID-19, Brasil não consegue nem o apoio dos EUA – considerados por Bolsonaro como principal aliado do seu governo – na defesa do reconhecimento da necessidade de flexibilização da lei de patentes para garantir a todos o acesso à vacina.
Qual o risco, para o Brasil, de ficar de fora de esforços internacionais na busca da vacina? A falta de aliados no cenário internacional pode prejudicar o acesso do Brasil à uma futura vacina?
Para Fernando Brancoli, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), especialista em política externa brasileira e em questões de Segurança Internacional, o Brasil não deve enfrentar problemas no acesso ao medicamento mas, politicamente, acaba se isolando cada vez mais.
"O fato do Brasil estar fora dessa estrutura indica mais uma vez uma movimentação para isolamento", disse Fernando Brancoli à Sputnik Brasil.
O especialista explicou que, do ponto de vista prático, os países participantes da iniciativa planejam injetar recursos para incentivar pesquisas sobre a vacina contra COVID-19. Se a vacina for de fato desenvolvida, o Brasil deverá ter acesso "mais cedo ou mais tarde".
Do ponto de vista simbólico, no entanto, o Brasil ficará isolado e demonstrará mais uma vez ser "um país que não preza pelo multilateralismo e que não lida de modo adequado com ameaças provocadas pela COVID-19", ponderou o professor.
"A gente acaba se tornando mais um problema, no final das contas, do que parte de uma solução", lamentou o especialista.
Brancoli classifica o rumo adotado pelo atual governo como "um fracasso", do ponto de vista diplomático.
"Grupos importantes consideram o presidente Bolsonaro como o pior líder global no combate à pandemia. O Brasil já é visto pelos países vizinhos na América Latina como foco potencial da pandemia. Países inclusive mais pobres do que o Brasil, como Paraguai, fecharam as fronteiras", destacou o acadêmico.
Desse modo, segundo ele, Brasil perde o seu reconhecimento enquanto um país que exerce liderança em questões de saúde. O entrevistado citou, como exemplo, o reconhecimento internacional do programa brasileiro de prevenção à AIDS, bem como a importante contribuição do país no combate ao Zika.
"A gente é visto agora como um problema", lamentou Brancoli, acrescentando que o impacto diplomático da atual política afasta o Brasil do papel de líder regional.
Como mais um sintoma do isolamento brasileiro na política internacional, o professor apontou os problemas enfrentados na compra de mantimentos e medicamentos da China, em parte, após o governo Bolsonaro acusar a China de ter inventado o vírus. Dessa perspectiva, o alinhamento automático de Brasília com Washington estaria cobrando um preço alto demais.
"O presidente Bolsonaro tem feito uma espécie de imitação de Trump em uma série de práticas políticas. Aqui chama mais atenção esse combate, esse antagonismo muito claro à China. Vale lembrar que a China é o nosso principal parceiro comercial, um país do qual agora a gente depende para a compra de insumos médicos. Isso certamente vai prejudicar e criar problemas a médio prazo", destacou o especialista.
Para ele, nenhum indício, até o momento, aponta para a possibilidade de uma ajuda mais vigorosa por parte dos Estados Unidos, apesar do alinhamento com a Casa Branca.
"Vale lembrar que os Estados Unidos têm sido bastante egoístas no combate ao coronavírus. Por exemplo, interromperam o transporte de medicamentos e insumos médicos que passavam pelo território americano para ficar com eles", disse Brancoli.
Ele lembrou do caso, quando governadores do nordeste brasileiro tentaram comprar ventiladores médicos na China. Os equipamentos, que fizeram uma escala em Miami, nos EUA, ficaram retidos pelo governo norte-americano, e não foram liberados até o momento.
"Não há grandes indícios de que teremos privilégios nesse sentido. Vale lembrar que, no início da pandemia, o presidente Trump tentou garantir que uma empresa alemã, que pesquisa a produção da vacina, efetivamente garantisse a sua produção só para os Estados Unidos. Nesse sentido, o presidente Trump tem sido bem direto - é America first, América primeiro - e o Brasil não entraria nessa equação não", concluiu.