Anticorpos inibidores do SARS poderiam ajudar na criação de vacina para novo coronavírus?

Cientistas analisaram as respostas dadas pelos anticorpos produzidos pelos dois diferentes coronavírus, e só uma das 17 amostras de sangue forneceu imunidade cruzada.
Sputnik

Cientistas compararam os anticorpos inibidores de dois coronavírus, SARS-CoV, que causou uma epidemia de pneumonia por SARS em 2003, e o novo coronavírus SARS-CoV-2. Segundo os resultados publicados na revista Cell Reports, os anticorpos inibidores de um vírus estão ligados ao outro, mas não protegem contra a infecção.

O vírus SARS-CoV, responsável pelo surto de síndrome respiratória aguda grave, conhecido como pneumonia atípica, é muito semelhante em estrutura ao SARS-CoV-2, partilhando aproximadamente 80% da sua sequência de nucleotídeos genômicos, avaliaram cientistas chineses, em colaboração com homólogos norte-americanos e de Hong Kong,

O mecanismo de penetração destes vírus e de infecção de células saudáveis também é o mesmo. Durante este processo, o receptor das células humanas da proteína de espigão, ou proteína S, que está localizada na superfície do coronavírus, se liga ao receptor ACE2 de células humanas, causando a fusão do vírus à célula hospedeira.

Compatibilidade de anticorpos

Em 2002 e 2003, mais de oito mil pessoas em todo o mundo adoeceram de SARS, e desenvolveram anticorpos para o vírus. Por isso, os cientistas estão se perguntando se esses anticorpos poderiam proteger contra o SARS-CoV-2, criando a chamada imunidade cruzada, ou se, pelo contrário, tornariam a doença mais aguda.

Esta questão é importante do ponto de vista do desenvolvimento da vacina para SARS-CoV-2. No futuro seria possível saber se é universal, protegendo pessoas das próximas ondas epidêmicas, ou se será necessário ajustá-la sob cada nova estirpe deste coronavírus e outras semelhantes a ele que eventualmente surgirem no futuro.

Os pesquisadores analisaram amostras de sangue colhidas por algum tempo de 15 pacientes infectados pelo SARS-CoV-2 em Hong Kong.

Após 11 dias do aparecimento dos sintomas, cinco dos infectados tinham anticorpos que podiam se ligar ao receptor das células humanas e a outras partes da proteína S, tanto o SARS-CoV-2 como o SARS-CoV. Alguns meses depois, esses anticorpos já foram detectados em sete pacientes.

Estes resultados mostram que a infecção por um coronavírus produz anticorpos que podem se ligar a outro, ou seja, são anticorpos ativos cruzados.

Imunidade cruzada?

Das 12 amostras de sangue, 11 produziram seus anticorpos contra o SARS-CoV-2, e apenas um mostrou anticorpos neutralizantes cruzados contra o SARS-CoV, mas a sua resposta à infecção com o novo coronavírus foi muito fraca.

Da mesma forma, cinco amostras de sangue de infectados pelo SARS-CoV tinham anticorpos neutralizantes contra este vírus, mas nenhum conseguia neutralizar o SARS-CoV-2.

Anticorpos inibidores do SARS poderiam ajudar na criação de vacina para novo coronavírus?

Além disso, experimentos adicionais com ratos também não trouxeram resultados positivos. Assim, os autores concluíram que anticorpos inibidores de diferentes coronavírus, apesar de serem ativos transversalmente, não induzem imunidade cruzada.

"Visto que os surtos de infecções por coronavírus devem continuar sendo um risco à saúde global, está sendo considerada a possibilidade de desenvolver uma vacina de proteção cruzada contra múltiplos coronavírus", diz um dos autores do estudo, Chris Mok, da Universidade de Hong Kong, em um comunicado de imprensa no portal Medical Xpress.

"Nossos resultados [...] sugerem que anticorpos neutralizantes cruzados aos coronavírus podem não ser produzidos pelo repertório imunológico humano", adiantou Mok.

Cientistas acreditam que a descoberta de anticorpos monoclonais que protegem contra diferentes coronavírus vá ser a longo prazo crucial para o desenvolvimento de uma vacina universal.

Para isso, serão necessárias mais pesquisas para identificar partes do vírus que são cruciais para a formação de uma resposta imunológica protetora cruzada.

Oposição ao método

A descoberta da imunidade cruzada ao novo coronavírus nas pessoas com o SARS-CoV de 2003 não faz sentido prático e não irá acelerar a criação de uma vacina contra o coronavírus, dizem especialistas entrevistados pela Sputnik.

"[A imunidade cruzada] pode muito bem ser intercomunitária. Outra coisa é que esta descoberta não faz nenhum sentido prático para as pessoas, porque o 'primeiro' SARS atingiu apenas oito mil pessoas em todo o mundo, e apenas algumas delas podem ter imunidade cruzada", afirmou Aleksander Lukashev, diretor do Instituto Martsinov de Parasitologia Médica de Doenças Tropicais e Vetoriais da Primeira Universidade Médica Estatal de Moscou.

Segundo explicou, esta descoberta significa que existe uma imunidade cruzada entre coronavírus relativamente distantes, como o SARS-CoV e o SARS-CoV-2, e o vírus não pode "fugir da vacina através de mutações", já que estes vírus mudam aproximadamente da maneira que "[um] vírus pode sofrer mutações em algumas centenas de anos".

Anticorpos inibidores do SARS poderiam ajudar na criação de vacina para novo coronavírus?

Olga Karpova, professora e doutora em Ciências Biológicas e chefe do Departamento de Virologia da Faculdade de Biologia da Universidade Estatal de Moscou, também não descarta a possibilidade de intercomunidade.

Ela também observou que a existência de tal imunidade não é surpreendente, porque o principal antígeno que causa a COVID-19 tem sequências comuns com o vírus que causou o SARS em 2002.

"Do ponto de vista da criação de uma vacina acelerada, não, isso [a descoberta] não ajudará, porque, antes de tudo, a vacina contra o SARS não foi levada ao estágio certo para que pudesse ser amplamente utilizada entre a população, e, claro, é melhor fazer a vacina diretamente contra o agente causador da COVID-19, em vez de se focar no SARS", acrescentou Karpova.

Anteriormente, um estudo feito por cientistas dos EUA e da Suíça encontrarou anticorpos que neutralizam o SARS-CoV-2 no corpo de pessoas que ficaram doentes com SARS em 2003, dando a essas pessoas imunidade cruzada a coronavírus que causam síndrome respiratória aguda grave.

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