O ministro da Economia, Paulo Guedes, segundo matéria publicada na noite de ontem (24) pela Folha, teria orientado o presidente Jair Bolsonaro a pedir aos demais integrantes do governo que evitem fazer novas críticas à China, principal parceiro comercial brasileiro.
O receio da equipe econômica e da ala militar, de acordo com a reportagem, seria com o impacto do eventual vazamento de trechos suprimidos do polêmico vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, divulgado na última sexta-feira (22) por ordem do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF).
A gravação é considerada uma evidência importante do inquérito que apura uma possível tentativa de interferência do chefe de Estado brasileiro na Polícia Federal, aberto a partir de uma denúncia do ex-ministro Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública).
Ao permitir a divulgação das imagens e áudios dessa reunião, na qual Bolsonaro admite que gostaria de fazer mudanças na PF por preocupações com possíveis investigações envolvendo familiares e amigos, Mello determinou o sigilo de partes consideradas mais sensíveis, por envolverem citações a entidades de outro país, no caso, a China.
Entre as declarações que poderiam provocar mal-estar internacional, segundo a Folha, estariam uma referência pejorativa ao Partido Comunista da China e uma teoria da conspiração acusando o serviço secreto chinês de envolvimento em crises no continente americano. E, assim sendo, militares que compõem a atual administração teriam sugerido que o Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty) se antecipasse ao escândalo, entrando em contato com o governo chinês para reafirmar o interesse de Brasília na parceria com Pequim.
"Eu acho que nós temos uma situação complicada, porque nós não estamos entendendo, no caso brasileiro, a transição que está acontecendo no mundo", afirma Marcus Vinicius de Freitas, professor visitante de direito e relações internacionais na Universidade de Relações Exteriores da China.
Em entrevista à Sputnik Brasil, o especialista explica que, a despeito dos desejos de alguns, a China segue em processo de ascensão, enquanto os Estados Unidos estão em declínio e, pela lógica, o Brasil deveria buscar uma aproximação maior com os chineses, que já são os maiores compradores de produtos brasileiros e têm capacidades de investimento muito maiores.
"O que a gente nota é que, infelizmente, o discurso atual da liderança do Itamaraty está impregnado por essa visão ideológica até um tanto maniqueísta. Sem levar em consideração que o Brasil pode ser um parceiro estratégico para a China inclusive para obter maiores benefícios dos Estados Unidos nesta relação."
Para o acadêmico, mesmo o ministro Paulo Guedes, que parece entender um pouco melhor a importância de Pequim para o Brasil, demonstra "um pequeno distúrbio" em sua perspectiva ao colocar a China como uma mera compradora de produtos brasileiros, e não como um parceiro estratégico.
Como comprador, Freitas lembra que os chineses são grandes importadores de gêneros agrícolas brasileiros, área na qual concorremos diretamente com os norte-americanos. E, para reduzir a dependência de importações desse tipo, o governo chinês vem defendendo a necessidade de investimentos intensos nesse setor.
"Se você pensar que nós estamos concorrendo com os Estados Unidos e, no futuro, com a própria China, obviamente, se nós não solidificarmos o relacionamento, nós corremos o risco de produzirmos soja e não termos compradores."
Como professor em Pequim, o especialista conta que já foi chamado pela imprensa chinesa algumas vezes para comentar alguns desentendimentos provocados por autoridades do atual governo brasileiro e, muitas vezes, sente como se estivesse tentando "justificar o injustificável". No entanto, ele destaca que os chineses, embora se preocupem, entendem bem que "o relacionamento é entre Estados" e que "o governo Bolsonaro terá mais dois ou três anos e depois vai depender da reeleição".
"É conveniente que essas vozes, de alguma forma, se calassem, porque elas não apresentam também outras opções que venham a cobrir o gap que seria criado se houvesse um eventual afastamento do relacionamento bilateral."