A Amazônia Legal é uma área que abrange 61% do território nacional, integrada por nove estados pertencentes à bacia amazônica e pela área de ocorrência das vegetações amazônicas.
Segundo dados do sistema Deter-B, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), os alertas de desmatamento da Amazônia Legal subiram 63,75% em abril em relação ao mesmo mês do ano passado.
Já do dia 1º até o dia 21 de maio, data da última atualização do sistema do INPE, foram registrados 547,07 km² de alertas de desmatamento na área da Amazônia Legal.
Ao mesmo tempo, a região Norte do Brasil tem a maior incidência de casos confirmados da COVID -19 no Brasil: 625 por 100 mil habitantes, quase o dobro do Nordeste, em segundo lugar, com 340,5 casos por 100 mil habitantes. A média brasileira até o momento é de 264,3 casos para cada 100 mil pessoas.
Aumento do desmatamento leva ao aumento de queimadas
Em 2019, o Brasil registrou recorde histórico no índice de desmatamento. Só no ano passado houve um aumento de 44% de área desmatada em relação a 2018, segundo dados do INPE.
Segundo André Guimarães, diretor do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), grileiros e desmatadores têm aproveitado o período de isolamento social por conta do novo coronavírus para intensificar suas atividades na região.
"As pessoas de bem, as pessoas sérias do Brasil estão de quarentena, mas os bandidos e os grileiros não estão", disse à Sputnik Brasil.
Segundo explicou Guimarães, o que se observa após um aumento nos índices do desmatamento é um aumento na incidência de queimadas.
"Em geral o processo é o seguinte: o sujeito abre uma nova área, desmata aquilo, tira as madeiras nobres, junta um amontado de matéria seca que sobrou ali, deixa aquilo secando e no ano seguinte é que as queimadas acontecem. Então é necessário observar o que aconteceu no período de desmatamento do ano anterior para ter uma previsão do que vai acontecer em termos de queimadas no ano subsequente", alertou.
COVID-19 e queimadas serão duplo desafio ao sistema de saúde, alertam pesquisadores
Uma nota técnica publicada em maio alerta para o risco de um duplo desafio para os estados da Amazônia. Isso porque, neste ano, o "período do fogo", quando se registra normalmente um aumento das queimadas da floresta, vai coincidir justamente com o pico da pandemia do coronavírus no Brasil, previsto para acontecer até julho.
O Amazonas tem 1042,2 casos para cada 100 mil habitantes, e Manaus foi a primeira cidade brasileira que registrou colapso no sistema de saúde, ainda em abril.
A intensificação de incêndios na Amazônia ocorre normalmente a partir do mês de maio até agosto. O professor adjunto no Centro de Engenharia, Modelagem e Ciências Sociais Aplicadas, da Universidade Federal do ABC (UFABC), Thiago Morello, um dos autores da nota, alerta para a coexistência do período do fogo e o pico da pandemia da COVID-19 na região.
Em entrevista à Sputnik Brasil, Morello diz que na média anual, entre 2017 e 2019, 120 mil pessoas foram hospitalizadas por conta de problemas respiratórios decorridos do aumento no número de queimadas.
"O material particulado fino liberado, produto da combustão parcial da biomassa, é absorvido pelos pulmões, causando múltiplos sintomas e exacerbando doenças crônicas. Na média anual de 2017 a 2019, de agosto a outubro, a fase mais crítica em queimadas da estação seca, 120 mil pessoas foram hospitalizadas por ano com asma, pneumonia ou bronquite na Amazônia Legal", comentou.
Morello explicou que normalmente a internação por doenças respiratórias corresponde a 9% dos leitos ocupados, mas com a pandemia da COVID-19, a quantidade de leitos ocupados por doenças respiratórias pode subir para 46%.
"Se considerarmos a taxa média de permanência de 5,5 dias para as três doenças respiratórias mencionadas [asma, pneumonia ou bronquite], de 15 dias para COVID-19, e o período de agosto a outubro, essas duas fontes de morbidade ocuparão 46% dos leitos disponíveis", projeta.
Antonio Oviedo, coordenador do programa de Monitoramento do Instituto Socioambiental (ISA), diz que o que se tem projetado para a Amazônia é um cenário de "catástrofe anunciada".
"Se você tem um cenário de um vírus que a letalidade dele é exatamente no sistema respiratório você tem um cenário de uma catástrofe anunciada", explicou à Sputnik Brasil.
Indígenas e população de baixa renda serão os mais afetados
Segundo uma plataforma disponível no site do Instituto Socioambiental, há no Brasil 59 mortes de indígenas causadas pela COVID-19. Os dados também mostram que foram registrados até o momento 1.600 casos confirmados do novo coronavírus em indígenas.
Segundo Morello, a população indígena e a população de baixa renda serão as mais afetadas pelo "período do fogo" estar acontecendo ao mesmo tempo do pico da COVID-19.
"Tal grupo social [famílias pobres de baixa renda] habita tanto áreas urbanas como rurais da Amazônia, é usuário do SUS, depende de trabalho informal e geralmente pago na base de diárias. Muitos moram em habitações irregulares e inadequadas. Tais fatores dificultam o cumprimento da quarentena. Também deve ser destacado que os agricultores familiares, ribeirinhos, indígenas e quilombolas, predominantemente pertencentes ao grupo de baixa renda, residem em áreas rurais remotas. Mesmo sofrendo menor risco de infecção por COVID-19, talvez sofram maior risco de mortalidade uma vez infectados, exatamente por conta do acesso limitado a tratamento médico", disse.
Segundo Oviedo, os povos indígenas possuem um histórico de apresentarem comorbidades de saúde, como desnutrição, diabetes, problemas respiratórios, e isso acaba colocando essa população em situação de maior vulnerabilidade pela COVID-19.
Além das perdas humanas, ao analisar o impacto da COVID-19 nas populações indígenas é necessário olhar, de acordo com coordenador do programa de Monitoramento do ISA, para perdas no "capital social" desses povos, os idosos.
"A questão dos idosos é bastante preocupante porque é uma população que cultiva os idosos como tesouros vivos, como a biblioteca do conhecimento daquele povo. Então você ter perdas nesse capital social da estrutura é bastante preocupante porque muito conhecimento de história oral, de transmissão oral, então isso gera um impacto para além da saúde, é um impacto para reprodução social dessa própria etnia", lembrou.
Governo federal se antecipa às queimadas este ano
No dia 11 de maio, o governo federal anunciou que o Exército vai atuar na fiscalização da Amazônia para tentar coibir o desmatamento e queimadas por meio da Operação Brasil Verde Brasil 2.
A Operação está sendo feita através de uma Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e tem como objetivo focar em áreas públicas, de preservação e terras indígenas.
A iniciativa foi idealizada pelo vice-presidente Hamilton Mourão, que comanda as reuniões do Conselho da Amazônia.
Guimarães destaca que o lado bom deste ano é que as operações estão sendo realizadas aparentemente na "hora certa".
"Tem aspectos positivos, principalmente a época em que se está sendo lançada a campanha. Ano passado houve uma situação análoga também, com a decretação da GLO por volta de final de setembro, início de outubro. Esse ano estamos vendo essa mesma mobilização do governo ter sido decretada quatro, cinco, seis meses antes. Isso por si só é uma boa notícia, aparentemente o governo federal está tomado medidas na hora certa para coibir esse crescente de desmatamento e ilegalidade na Amazônia", explicou.
No entanto, segundo o diretor do IPAM, ainda não é possível observar os efeitos práticos dessa operação.
"Em termos de ação, de recursos alocados e mesmo um ponto muito importante desse processo todo é a interação entre o governo federal e os governos estaduais. Essas operações têm que ser feitas em sincronia com os poderes, para que você tenha eficácia. O Ministério Público tem que estar sincronizado para fazer as autuações. Está faltando ação e, no meu entender, está faltando muita articulação entre os diversos entes da federação e a própria sociedade para que esse processo tenha eficácia", completou.
No entanto, apesar da antecipação ao problema crônico das queimadas na Amazônia, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, sugeriu em reunião ministerial que o governo deveria aproveitar a atenção da imprensa voltada para a pandemia do novo coronavírus para aprovar "reformas infralegais de desregulamentação e simplificação" na área do meio ambiente e "ir passando a boiada".
Em 2019, o governo do presidente Jair Bolsonaro se viu em uma saia justa por conta do crescimento das queimadas da Amazônia. Ativistas ambientais, governos estrangeiros e a sociedade civil cobraram explicações do governo federal.
Integrantes do governo do presidente francês, Emmanuel Macron, ameaçaram inclusive boicotar o acordo entre Mercosul e União Europeia caso o Brasil não conseguisse frear o avanço do desmatamento.