Com a estabilização dos casos do novo coronavírus, vários países, principalmente na Europa, já anunciam a retomada das atividades de turismo, um dos primeiros setores a sentir o impacto da COVID-19 e também um dos mais afetados pela crise.
Epicentro do surto junto com outros Estados da América Latina, o Brasil ainda vê suas atividades turísticas estagnadas e sem um grande plano para impulsionar a área com a gradual normalização da situação sanitária e econômica, apesar das iniciativas e diálogos promovidos por representantes dos ramos associados.
Antes da pandemia, a Organização Mundial do Turismo (OMT) estimava que um em cada dez empregos no mundo estavam ligados ao setor turístico. Logo, a suspensão dessa atividade tem consequências socioeconômicas muito grandes, como destaca o professor de turismo João Freitas, do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (CEFET/RJ).
"Estimativas recentes da própria OMT apontam que a redução das receitas pode chegar a US$ 1,2 trilhão [R$ 6,2 trilhões], que seria a maior perda da história do setor", afirma o acadêmico em entrevista à Sputnik Brasil.
No entanto, mesmo com esse "cenário econômico tão desastroso", o especialista afirma que a prioridade deve ser "o bem-estar e a segurança sanitária dos profissionais do setor, da comunidade receptora e dos turistas".
Cientes do impacto que a crise do coronavírus teria sobre o turismo desde o início do problema, empresários do setor no país procuraram o governo federal para conversar sobre medidas que permitissem uma redução dos custos durante o período de paralisação. Embora a solicitação tenha sido mais ou menos contemplada através de medidas provisórias, a situação financeira dos operadores continuou se deteriorando, levando à necessidade de financiamento. Mas, apesar dos auxílios anunciados, o presidente da Associação Brasileira das Operadoras de Turismo (Braztoa), Roberto Haro Nedelciu, se queixa da dificuldade que tem sido fazer esse dinheiro chegar realmente às empresas, que, sem capital de giro, têm sobrevivido graças aos valores que alguns clientes investiram em pacotes de viagens que ainda serão realizadas.
"Apesar de o governo ter falado que já liberou R$ 5 bilhões para o Fungetur [Fundo Geral de Turismo] ou outras linhas de crédito, esse dinheiro não chega na ponta. Então, você fala com os gerentes dos bancos, da Caixa Econômica, do Banco do Brasil, que são os bancos federais (ou meio federais), os gerentes não sabem de nada, não tem linha de crédito nenhuma. Os outros bancos pedem garantias muito altas, até 110% do valor que você está pegando emprestado", explica Nedelciu também em declarações à Sputnik Brasil.
Trabalhando com a previsão de que o setor só deve voltar ao normal no final do próximo ano, o presidente da Braztoa cita como exemplo a ser considerado para o Brasil as pequenas "bolhas de viagem" que vêm sendo adotadas no exterior, liberando o fluxo de pessoas apenas entre regiões onde há segurança sanitária comprovada.
Segundo ele, essa é uma das principais ideias defendidas pelo Movimento Supera Turismo Brasil, projeto de cooperação que une pessoas físicas e jurídicas em busca de uma retomada segura e mais rápida do setor no país, possivelmente, a partir de julho.
"A gente acredita que nesse primeiro momento, pelo menos até o final do ano, vão ser viagens mais nacionais, viagens com destinos, assim, mais próximos. Mesmo porque muitas pessoas queimaram as férias, muitos estão com menos recursos financeiros. Então, eles vão querer viagens mais próximas e mais baratas", explica.
A ideia, de acordo com o empresário, é de que as agências se encarreguem de dar esse suporte aos viajantes, no sentido de garantir que eles tenham acesso apenas a locais e serviços seguros. Primeiramente, no âmbito regional e, depois, aumentando progressivamente, à medida que a situação sanitária no país e no continente for melhorando.
Turistas e turismo do Brasil pagarão por polêmicas do governo?
Desde o início da crise provocada pela COVID-19, a administração do presidente Bolsonaro vem adotando uma postura negacionista do problema, ora descrevendo-o como uma "gripezinha", ora rebatendo as orientações das principais autoridades de saúde do mundo sobre a necessidade do isolamento social.
Especialistas de diferentes áreas temem que tal posicionamento, amplamente noticiado no exterior, possa atrapalhar a imagem do Brasil de tal forma que venha a prejudicar os negócios do país e também as atividades dos brasileiros mundo afora. Nisso, o setor do turismo seria provavelmente o mais impactado.
"Não é só uma questão de imagem. Os EUA já barraram a entrada de pessoas que tenham estado no Brasil, a União Europeia não permitirá a entrada de quem vive em locais onde a pandemia não está minimamente controlada. Então, o problema vai além da decisão do indivíduo de vir ou não para o Brasil", afirma o professor João Freitas.
De opinião semelhante à do acadêmico, Nedelciu acredita que a tendência, no pós-pandemia, é de haver um certo receio de contato com pessoas vindas de outros países, em geral, em um primeiro momento, com destaque para os brasileiros. Mas ele espera que isso não dure muito tempo.
"Hoje, o brasileiro está sendo visto como uma pessoa que não deu atenção adequada, sanitariamente, aos problemas da COVID", opina, apontando a promessa de vacina como uma das principais formas de contornar essa questão.
Valorização de destinos próximos pode reestruturar turismo nacional
Apesar de suas inúmeras riquezas naturais e culturais e de sua hospitalidade, o Brasil sempre foi visto como um país que poderia aproveitar melhor o seu potencial turístico. Mas, se isso já parecia difícil antes do surto do novo coronavírus, por questões econômicas, sanitárias e de imagem, deve se tornar ainda mais complicado, segundo Freitas, sobretudo pelo impacto esperado no turismo de eventos. Por outro lado, o acadêmico defende que isso também pode gerar oportunidade para outro segmento.
"Como disse, acredito que, passados os maiores riscos da pandemia, haverá uma valorização de destinos próximos. Viagens em carro particular se mostrarão uma alternativa mais segura em termos sanitários do que uma viagem de avião, por exemplo. Neste sentido, há uma boa chance de ter um incremento no fluxo de pessoas saindo das capitais para visitarem cidades do interior do próprio estado. Estas viagens mais baratas podem colaborar para uma reestruturação do setor de forma inédita."
Para que essa reestruturação seja possível e eficaz, o presidente da Associação Brasileira das Operadoras de Turismo acha que o poder público poderia se mostrar mais presente, se necessário, copiando bons exemplos que têm sido dados por governos de outros países.
"Eu estou sabendo que alguns países estão literalmente fazendo quase que doações para as empresas de turismo", ressalta Roberto Haro Nedelciu. "Os Estados Unidos estão prevendo dar US$ 4 mil [R$ 21 mil] para as pessoas gastarem no turismo interno, gastar como se fosse um voucher para as pessoas poderem viajar. Isso para quê? Para incentivar as indústrias do turismo, para motivar as pessoas a poderem viajar. E movimentar a economia."
Nota da Associação Brasileira de Agências de Viagens Corporativas
Posteriormente à publicação original desta matéria, a Associação Brasileira de Agências de Viagens Corporativas (Abracorp) enviou uma nota esclarecendo também a sua visão sobre a expectativa de retomada do turismo nacional. Segue abaixo a íntegra das declarações dadas à Sputnik Brasil em resposta a questionamentos feitos por esta agência. O documento é assinado por Gervasio Tanabe, presidente executivo da Abracorp.
Planejamos a retomada com olhar direcionado às vantagens competitivas que posicionam o Brasil nas primeiras posições do ranking de países que possuem mais atrativos turísticos naturais e culturais. Recebe, constantemente, há décadas, as melhores avaliações dos turistas estrangeiros que nos visitam e declaram desejo de retornar. Também mobilizamos esforços para disseminar o turismo como fato econômico de grande e crescente relevância estratégica para o desenvolvimento sustentável no pós-pandemia, em âmbito global. No curto e médio prazo, o turismo doméstico ganha prioridade.
O Movimento Supera Turismo Brasil possui três objetivos: a) apoiar a retomada do turismo e o retorno rápido de toda cadeia do turismo, divulgando as viagens de forma compartilhada com o maior número de pessoas engajadas; b) orientar o maior número de viajantes sobre cuidados nas viagens pós-retomada e c) ajudar a restabelecer a empregabilidade e a renda dos milhares de colaboradores do Turismo no Brasil.
Todo embate político de cunho ideológico conflita com os interesses de uma atividade que promove o intercâmbio de experiências humanas, a partir da valorização das diferenças como insumo ao enriquecimento coletivo – tanto para quem visita como é visitado. Sabemos que mundo afora não faltam preocupações por conta de polêmicas envolvendo governos e governados que, sim, prejudicam o turismo. Porém, cada vez mais a brasilidade é capaz de surpreender e superar conflitos; por força da união de valores pautados pelo bem-estar entre povos das mais diversas nacionalidades, origens, credos, raças, gêneros ou qualquer outra diferença decorrente de circunstancias que envolvem gestão e gestores públicos.
O turismo ganha crescente reconhecimento do poder público em todos os níveis de governo como um vetor estratégico para retomada do desenvolvimento sustentável do Brasil. O regate da autoestima e autodeterminação brasileira avança de maneira voluntária, colaborativa e cada vez mais atuante nas redes sociais, acumulando conquistas que estão alinhadas aos objetivos do Movimento Supera Turismo Brasil. Não há um plano claro impositivo para o pós-crise e sim o constante diálogo entre os mais diferentes elos que compõem os vários setores econômicos impactados direta e indiretamente pelo turismo. A forma mais eficaz dos governos contribuírem é continuarem a ouvir, escutar e atender demandas articuladas pelo setor privado como um todo; sempre com foco no bem-estar dos viajantes a lazer, negócios ou intercâmbio.