Um possível conflito pode eclodir devido à construção de represa gigante em território etíope, o que pode levar a uma crise humanitária no Egito.
Com raízes que se estendem a vários anos atrás, um conflito latente mantém a África no limiar de uma possível guerra. Trata-se da disputa entre Egito e Etiópia pela construção neste país da maior central hidrelétrica sobre um afluente do Nilo.
As autoridades egípcias tentaram impedir o projeto, já que a gigantesca represa ameaça destruir quase toda a agricultura do país.
Na mais recente fase da disputa, na semana passada ocorreram negociações trilaterais entre Egito, Etiópia e Sudão, com o objetivo de alcançar um consenso entre todas as partes envolvidas. Contudo, o Cairo e Adis Abeba, os principais antagonistas no conflito, não chegaram a um compromisso, revela a agência AP.
Nesta segunda-feira (15), o ministro das Relações Exteriores do Egito, Sameh Shoukry, anunciou que, devido à paralisação das negociações, seu país poderia apelar ao Conselho de Segurança da ONU para que, considerando a segurança global, se bloqueiem os passos unilaterais etíopes.
Um 'grande projeto' e fonte de 'orgulho nacional'
Desde 2011, a Etiópia prossegue com o projeto que se tornará a maior central hidrelétrica da África. Atualmente, menos de 45% da população do país tem acesso à eletricidade.
Prevê-se que o funcionamento da represa não somente satisfará as necessidades a nível nacional, mas também permitirá exportar energia aos países vizinhos.
"A represa que estamos construindo juntos, unindo as mãos, está na lista dos megaprojetos no solo da África e de todo mundo, se convertendo na fonte de nosso orgulho nacional", disse em 2017 o então primeiro-ministro da Etiópia, Hailemariam Desalegn.
Perigo iminente e ameaça existencial para milhões de egípcios
Contudo, o que para a nação etíope representa um grande avanço social, econômico e político para os egípcios é uma ameaça existencial, dado que a sobrevivência depende das terras férteis do vale do Nilo, onde vive cerca de 90% de toda a população.
O funcionamento da represa e de seu reservatório – que tem uma capacidade total de 74 bilhões de metros cúbicos – provocará uma baixa rápida das águas do grande rio que dá vida à população do Egito, que por sua parte não para de crescer e hoje conta com mais de 100 milhões de habitantes.
Segundo estimativas, a confluência do pântano etíope com as águas do Nilo Azul causará nos próximos anos uma série de secas devastadoras no Egito e Sudão e destruirá o sistema de agricultura tradicional nestes países.
Somente no primeiro ano, ao redor de 1,5 milhões de camponeses poderiam ficar sem trabalho.
Algo parecido ocorreu na Síria depois que, nos anos 80, a Turquia construiu represas em cascata no rio Eufrates. Ainda que o efeito não tenha sido imediato, a degradação paulatina da agricultura síria produziu uma migração massiva em direção a grandes cidades.
No entanto, o dano imediato na agricultura não é o único perigo que as autoridades do Egito devem ter em mente. Também há que considerar que, em caso de uma eventual liberação instantânea de todas as águas, suas correntes poderiam levar 70% das vidas egípcias.
Velhos acordos 'coloniais' e negociações fracassadas
A represa já tem 70% de suas obras completadas. Em virtude desta realidade, na semana passada as partes se reuniram para negociar sobre as diretrizes e normas do primeiro enchimento e a operação anual de dita instalação.
A disputa atual está conectada com os planos das autoridades da Etiópia de começar a preencher o reservatório nas próximas semanas. O Egito insiste que o processo seja estritamente regulamentado e paulatino.
As negociações entre os países vizinhos não tiveram êxito e acabaram em um intercâmbio de acusações mútuas. O Cairo qualificou de tecnicamente inconsistente e legalmente inadequada a proposta apresentada pela Etiópia, e salientou que neste país não há vontade política para alcançar um acordo justo.
Enquanto isso, o governo etíope atribuiu ao Egito o suposto fracasso do processo, por sua "obstinação" em manter um velho acordo de administração dos recursos hídricos, cujas bases foram definidas ainda no período colonial.
As autoridades egípcias apelam aos pactos firmados pelo Egito e Reino Unido em 1929 e 1959, que concediam ao Cairo o direito de vetar a construção de qualquer barragem no Nilo fora de suas fronteiras.