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Nordeste sem festa junina é como Rio perder desfile das escolas de samba, compara economista

Adiamento das festas juninas no Nordeste, que podem ser comparadas aos desfiles das escolas de Samba do Rio de Janeiro, tem impacto econômico e cultural enorme, disse especialista à Sputnik Brasil.
Sputnik

Em um ano normal, milhares de turistas e moradores de dezenas de cidades nordestinas estariam agora dançando quadrilha e comendo quitutes típicos, mas a pandemia do coronavírus cancelou os tradicionais festejos de São João, que tem seu dia comemorado nesta quarta-feira (24).

Segundo estimativa feita pelo jornal Folha de S.Paulo, o cancelamento das festas juninas, que se estendem por julho e agosto, deve provocar um prejuízo de pelo menos R$ 1 bilhão para as economias de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Bahia, onde ocorrem os maiores eventos. Isso sem contar as festas menores, que acontecem em boa parte das cidades do Nordeste.

Heitor Silva, economista e estudioso da região, ressalta que uma extensa cadeia produtiva, que abrange vários profissionais, será afetada.

"Podemos lembrar o impacto sobre os músicos. Todas as festas têm shows todas as noites, mais de um show. Os profissionais de organização de eventos, lembrem que um show musical precisa de equipe de som, de iluminação, de montagem e desmontagem de palco, e as barracas, que são montadas durante esse período, também precisam de montagem e desmontagem", disse o professor da Faculdade de Administração da Univeritas, no Rio de Janeiro, que lembra ainda o prejuízo para hotéis e pousadas.

Tradição que se perde

Silva, que é especialista em planejamento urbano e regional, menciona outro aspecto do cancelamento das festas, além do "impacto sobre o trabalho e a renda para um grande número de pessoas": a questão cultural.

"As festas representam um patrimônio cultural importante do Nordeste como um todo. Trata-se de uma tradição que é passada através de gerações. Se elas não acontecem, essa tradição se interrompe. Essa transmissão de conhecimento, que não é escrita, que não é audiovisual, é oral, é da vivência, do cotidiano, se interrompe", afirmou.

O professor compara as festas juninas do Nordeste ao tradicional desfile das escolas de samba na Marquês de Sapucaí. Segundo Silva, a preparação das quadrilhas juninas é parecida com o que ocorre no Carnaval carioca.

'Elemento de coesão da sociedade'

"Tem outro impacto que é sobre a apresentação das quadrilhas, uma tradição cultural importante, muito parecida com as escolas de samba do Rio de Janeiro. Iniciativas da própria população local, que se organiza durante o ano, que se cotiza e que prepara sua fantasia. É um elemento de coesão da sociedade local. E esse elemento se perde", apontou.

Silva indica que a maior de todas as festas, que ocorre em Campina Grande, na Paraíba, atraiu em 2018 um público de 2,5 milhões de pessoas.

Nordeste sem festa junina é como Rio perder desfile das escolas de samba, compara economista

"A estrutura do Parque do Povo, o pavilhão local onde acontece a festa, era composta de oito restaurantes, 25 barracas de alimentação, 112 bares e ainda tinha dois espaços alternativos, com 10 barracas e duas palhoças, que são restaurantes menores", explicou.

Segundo o levantamento da Folha de S.Paulo, Campina Grande e Caruaru, em Pernambuco, onde acontecem os dois festejos de São João mais importantes do país, vão deixar de arrecadar R$ 400 milhões.

'Prejuízos podem ser definitivos'

O especialista cita investimentos públicos e privados de cerca de R$ 25 milhões no Nordeste, e de R$ 1,8 milhão no circuito de festas da Paraíba, que envolve seis cidades, além de municípios limítrofes. Para o economista, o cancelamento e o adiamento de eventos juninos podem pesar no bolso de muita gente.

"O cancelamento significa prejuízos que, às vezes, podem ser definitivos. Quantas dessas empresas pequenas, que ultrapassaram período de profundas dificuldades nessa pandemia, podem esperar o próximo ano? Quantas delas estão acreditando e estão na esperança de que a festa pode ser a salvação do ano? Elas podem, no ano que vem, não estarem mais abertas", lamentou o pesquisador bolsista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Apesar dos enormes prejuízos econômicos e culturais, Heitor Silva alimenta esperanças, pois algumas festas foram adiadas para meados do segundo semestre, o que poderia ajudar a recuperar perdas.  

'Expectativa da volta ao lazer é grande'

No caso de Campina Grande, os festejos, que começariam agora, foram remarcados para outubro e novembro. O especialista diz que os estudos mostram que a epidemia deverá ter diminuído até lá, mas ressalta que os eventos terão que ser feitos cumprindo normas sanitárias.

"O adiamento, no lugar do cancelamento, é uma realidade que se impõe. O prejuízo do adiamento pode ser minorado, a gente pode ter uma expectativa, uma esperança, de que a festa vai ser um sucesso, apesar do adiamento. Porque as pessoas estão todas em casa, cumprindo isolamento. Mesmo os que estão trabalhando, evitam sair nos dias em que não precisam. A expectativa da volta ao lazer é muito grande. Isso pode ajudar muito a festa, mesmo fora da data tradicional", previu.
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