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Turismo brasileiro devastado pela recessão: retomada completa nem em 2023, diz especialista

Segundo responsável pelo curso de Turismo da Universidade de São Paulo, a pandemia devastou o setor, que pode não se recuperar do baque.
Sputnik

A consultoria britânica Oxford Economics, por meio do seu analista David Goodger, informou que o setor de turismo no Brasil só estará plenamente recuperado em 2023, em razão da difícil situação econômica do país, agravada pela devastação provocada pela pandemia do novo coronavírus.

Para Mariana Aldrigui, professora de Turismo da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (USP) a previsão da consultoria parece realista, pois o estudo foi fundamentado em dados do setor em todo o mundo.

"Nossa previsão para 2020 era muito otimista. A gente tinha todos os entes do turismo apostando forte num grande movimento doméstico e também no aumento do turismo internacional. Acontece que, não é apenas a COVID - e agora os dados de diversas consultorias mostram [isso]. 2020 foi um ano em que o Brasil estava entrando em recessão econômica e isso afetaria o turismo com certeza", disse Mariana Aldrigui à Sputnik Brasil.

A professora vai além e acredita que, por não acompanhar os fatores políticos internos, a análise de David Goodger poderia até ser considerada otimista demais.

"Agora a gente tem a questão política, a questão econômica e, particularmente no turismo, uma falta de estratégia clara", afirmou a especialista. Ela reclamou de "desrespeito imenso a segmentos muito importantes" pelo governo, como a questão da sustentabilidade, bem como às pautas LGBTI, que estariam prejudicando a imagem do país no exterior.

"Eu, há umas três semanas, concordava com 2023, mas agora eu acho que a gente pode não voltar mais aos números de 2019, nem ser capaz de fazer previsões, enquanto não houver diretrizes claras de como será administrada a política nacional de turismo e também o apoio à recuperação de toda a cadeia produtiva do setor", disse a entrevistada.

Crise econômica

A professora de turismo da USP lembrou que o setor vinha de quatro anos de crescimento baixo, "mas equivalente ao crescimento mundial", de 3% a 4% anuais. O ano de 2014 foi o melhor ano registrado no turismo desde 2000, em função da Copa do Mundo, bem como de um quadro de estabilidade econômica. Desde então, no entanto, o país enfrenta dificuldades para retomar os índices, mas não somente por questões econômicas.

Para Aldrigui, nem sempre há uma relação direta entre o PIB e a atratividade de um país para turistas.

"A gente precisa, às vezes, tentar despir o um pouco o nosso olhar de alguns preconceitos [...] nós brasileiros é que gostamos de viajar para ver as coisas arrumadinhas e limpinhas. Mas tem um grande segmento de turistas internacionais que viaja pelo exótico e pelo diferente. Então o que nós criticamos no Brasil, às vezes com razão, às vezes com grande exagero, é considerado interessante porque vai ser uma visita rápida, de curiosidade, de entendimento, mas a pessoa não está mudando para cá", afirmou a interlocutora da Sputnik Brasil.

A acadêmica destacou a existência de fluxos constantes e consideráveis de turistas para países em situação econômica muito pior do que o Brasil. No entanto, a queda do PIB traz efeitos muito negativos para o turismo doméstico.

"O turismo é uma atividade considerada supérflua por quase todo mundo, mesmo quem tem bastante dinheiro. E aí mudam-se os gastos. Ou eles serão adiados, ou eles serão alterados. É, portanto, absolutamente factível entender que, em um país em crise ou em recessão, tudo que for supérfluo perde um pouco do seu ganho. Não posso deixar de registrar que o Brasil é um país com de 200 milhões de habitantes. A gente tem uma classe A significativa que vai continuar movimentando turismo, mas não vai ser a mesma coisa de ter pelo menos 40% da classe C, mais toda a classe B e toda classe A ativando os setores de turismo e de lazer", afirmou a professora.

Imagem é tudo

Mariana Aldrigui assegurou que imagem de um país é o que mais importa para o viajante internacional. A reputação de um destino se forma de modo complexo, considerando toda uma gama de informações disponíveis sobre o lugar. A turismóloga lamentou que o atual hiato, provocado pela crise e por uma política pouco clara do governo, possa alterar a imagem do Brasil no mundo, que tem sido trabalhada durante tantos anos, de modo a desassociar o país de "mulheres, samba e futebol".

"Hoje a imagem nacional está vinculada com um governo absolutamente enlouquecido, um governante estranho, que é homofóbico, que é contra o desenvolvimento sustentável, que é a favor de destruir ou dizimar de alguma forma as comunidades indígenas. Então veja, tudo isso entre aspas, porque é como o receptor da mensagem olha. Então quando se fala que o presidente brasileiro é um Trump dos trópicos, isso é uma relação que dificilmente se apaga", afirmou Aldrigui.

A acadêmica acredita que haverá mais relutância para visitar o Brasil nos próximos anos, da mesma maneira que os brasileiros evitaram o Egito em tempos de turbulência política, bem como lugares que sofreram ataques terroristas.

Além disso, o Brasil é conhecido pelo seu histórico de violência urbana. Apesar de uma significativa melhora nos índices nacionais, um quadro de agravação econômica pode aumentar a criminalidade e as consequências para o setor podem ser ainda maiores.

Pandemia devastadora

Segundo Mariana Aldrigui, diversos estudos internacionais indicam que o turismo seria responsável por 8% ou 10% do PIB brasileiro, por 300 mil a 500 mil empregos diretos e quatro milhões ou cinco milhões de empregos indiretos. A pandemia do novo coronavírus, aliada à recessão, foi devastadora para esse segmento.

"A pandemia acentuou um grande problema que a gente já vinha sinalizando, que é um completo desconhecimento por parte das autoridades de qual é a relevância do turismo em uma dada localidade", destacou a especialista.

Como muitos empregados do setor são informais, é muito difícil calcular o tamanho dos prejuízos. Além disso, muitos trabalhadores do turismo também atuam em outros setores da economia, como no caso de motoristas de aplicativo, por exemplo.

"A gente tem olhado para cenários de recuperação bastante positivos pelo menos a partir de novembro. Estamos todos torcendo aqui para que a alta temporada no Brasil possa nos dar um novo ânimo. Entretanto, ainda tem sido impossível, em termos metodológicos, fica só na futurologia, afirmar o tamanho da devastação, mas que é uma devastação você não tenha nenhuma dúvida", garantiu a entrevistada.

Para ela, as eventuais demissões dificilmente serão revertidas. Os profissionais precisarão buscar algum tipo de alternativa e talvez não retornem ao turismo. Dessa forma, o setor deve perder muita mão de obra qualificada e precisará arcar com os custos e o tempo para qualificar os novos egressos, quando o setor voltar a crescer.

"Isso diminui, de novo, a produtividade e a qualidade do serviço, a renda média", disse Aldrigui, lamentando o baixo nível de apoio oferecido pelas autoridades para permitir que "esses profissionais permanecessem de alguma forma vinculados aos seus empregos para que as empresas permanecessem vivas e capazes de pagarem as suas contas".

"E com isso agora a gente vai ter que olhar o malabarismo que vai ser feito a partir de então. Infelizmente a gente vai perceber uma perda de capital humano muito qualificado que não necessariamente volta para esse setor", concluiu.
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