Com mais de 63 mil óbitos e 1.539.081 casos confirmados, o Brasil é o segundo no planeta em números gerais do novo coronavírus, atrás apenas dos Estados Unidos. Mas, ao contrário de lá, aqui o pico de infecções ainda não chegou, e a aceleração da doença permanece. Ao mesmo tempo, a reabertura do comércio vai sendo instaurada.
Em entrevista à Sputnik Brasil, o epidemiologista do Centro de Pesquisa Clínica e Epidemiológica do Hospital Universitário da USP, Márcio Bittencourt, avaliou que são múltiplas as causas que explicam os números expressivos de infecções e mortes pela COVID-19 no país.
"O primeiro, obviamente, é o tamanho da população, então o número de [pessoas] suscetíveis no Brasil é muito maior, mas muito mais do que isso eu acho que foi a falta de medidas ou a limitação na quantidade e na intensidade de medidas não farmacológicas ou medidas comunitárias que foram implantadas no país", afirmou ele, que também é professor da Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein, em São Paulo.
Bittencourt explicou que, na sua avaliação, a falta de uma liderança do governo federal, conduzido pelo presidente Jair Bolsonaro, é outro elemento que não pode ser menosprezado. Como em um efeito em cascata, isso resultou em desacertos nas estratégias entre estados e municípios – estes com menos estrutura para planejamento e implementação de medidas.
"[Tudo isso] fez com que a estratégia fosse desestruturada e [fosse] muito fragmentada entre as cidades, que não conseguiram dar conta de organizar medidas de distanciamento físico adequadas e, principalmente, não conseguiram planejar estruturas para fazer medidas de isolamento social de caso, testagem de caso, medida de isolamento central, e medidas de quarentena dos contatos, fazer 'contact tracing' para ir atrás dos contatos, caçar os contatos. Acho que a falta de implementação do leque amplo de medidas comunitárias que existem disponíveis", complementou.
Situação poderia ser ainda mais séria
O epidemiologista ouvido pela Sputnik Brasil acrescentou que a situação só não é ainda mais grave por conta "das medidas de distanciamento terem sido feitas pelo menos de forma razoável em algumas cidades".
"Tanto as medidas de bloqueio físico (máscaras, painéis de proteção, anteparos) quanto as medidas de bloqueio químico (uso de álcool em gel, lavagem das mãos, etc.) estão menos implementadas do que deveriam", comentou Bittencourt.
Ainda assim, ele ressaltou que o isolamento social individual dos casos deveria estar sendo feito de uma maneira muito mais aprimorada. Contudo, uma estrutura não foi devidamente pensada, considerando círculos de contato de infectados. O resultado acaba nas estatísticas.
"Quando muito, os casos são encaminhados para ficar em casa, mas lá eles ficam com a família e continuam transmitindo. A gente não tem uma busca ativa de contatos, a gente não está fazendo o isolamento dos contatos com a intensidade e duração adequadas que deveria ser de ao menos dez dias. Então isso infelizmente acaba limitando muito", pontuou.
Enquanto profissionais e analistas apontam que a COVID-19 está descontrolada no Brasil, e que o pico de infecções ainda não chegou – sendo incerto quanto isto ocorrerá –, o desenvolvimento de vacinas com participação brasileira tem animado setores do país. O epidemiologista da USP, porém, é cauteloso e pede paciência.
"Acho que fica difícil de a gente avaliar o quão avançadas [as vacinas] estão porque muitas notas [de imprensa] parecem mais propaganda da indústria do que avaliação crítica do que está sendo feito. Dito isso, mesmo na melhor das hipóteses, as vacinas demoram um tempo para serem testadas", apontou Bittencourt.
Todavia, isso não significa que não possa haver uma expectativa positiva, uma vez que várias candidatas com potencial estão na fase três, quando são testadas em humanos. Entretanto, tal processo conta com muitos participantes e leva tempo. Tão importante quanto ser eficaz é que a vacina contra a COVID-19 seja segura.
"Não tenho expectativas por resultados definitivos antes do fim do ano, e mesmo que a gente tenha resultados definitivos isso não significa que eles serão positivos e seguros, já que, se a vacina não tiver segurança, não dá para usar [...]. A gente tem que validar as vacinas do ponto de vista burocrático, logístico e produzir o lote suficiente para depois distribuir. Então acho que qualquer expectativa de que a gente vai estar vacinando a população brasileira antes de alguma coisa próxima do meio do ano que vem é muito improvável. Não vou dizer impossível porque as coisas estão sendo feitas da forma mais rápida possível, mas acredito que seja bastante improvável de chegar antes desse prazo", finalizou.