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Crise pós-pandemia pode facilitar onda de privatizações no Brasil?

Apesar do impacto da pandemia na economia, o governo brasileiro espera colocar seus planos de privatização em prática ainda neste ano, mas especialistas explicam que essa pode não ser uma boa ideia e dificilmente seguirá adiante.
Sputnik

Nesta semana, o ministro da Economia do Brasil, Paulo Guedes, afirmou em entrevista à CNN que o governo federal deve anunciar em até 90 dias planos para quatro grandes privatizações, mas não quis revelar os nomes das estatais.

Assumidamente neoliberal, Guedes, homem de confiança do presidente Jair Bolsonaro desde o período de campanha eleitoral, prometeu que, durante sua gestão, privatizaria todas as estatais brasileiras, mas, após 18 meses de governo, as únicas empresas que passaram para o controle privado foram as que tiveram seu processo de venda iniciado ainda na administração de Michel Temer.

Peça importante nesse plano, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, já afirmou que, dificilmente, o Congresso Nacional vai aprovar alguma privatização neste ano, principalmente por conta das eleições municipais programadas para novembro. 

​De acordo com o economista Ricardo Balistiero, professor do Instituto Mauá de Tecnologia, levando em consideração o impacto da pandemia da COVID-19 na economia, no mercado financeiro, talvez, o momento não seja o mais adequado para tratar de privatizações.

Em entrevista à Sputnik Brasil, ele explica que, por conta da crise, "os ativos de boa parte das empresas, tanto privadas quanto estatais, estão bastante depreciados". E, "por mais que, nas últimas semanas, o país tenha verificado uma alta na bolsa, isso é só uma recuperação das enormes perdas que tivemos, principalmente, no mês de março".

"Nós temos um hábito aqui no Brasil de sempre acreditarmos que tudo aquilo que é estatal é ruim. E isso não é verdade. Porque nós depreciamos o nosso patrimônio. Outros países não fazem isso. Então, não é o momento para que se anuncie programas de privatizações. O nosso ministro da Economia sempre saca da prateleira das ideias liberais coisas como essa, como se isso fosse resolver os problemas mais graves que o país tem", afirma.

Assim como ter estatais não é ruim, ter um programa de privatizações também não é necessariamente algo ruim, na opinião do docente do Instituto Mauá de Tecnologia. Segundo ele, o país está em um momento no qual precisa "superar essa falsa dicotomia entre o que é estatal e o que é privado", simplesmente buscando dar eficiência às empresas, independentemente da natureza do seu capital.

"Nós temos várias empresas estatais eficientes no Brasil. O maior exemplo é a Petrobras. Foi saneada nos últimos anos e é um patrimônio nacional e não vejo nenhuma razão para que essa empresa seja privatizada. A mesma coisa no Banco do Brasil, que, lá no final dos anos 1990, passou por um processo de ajuste e, hoje, tem um corpo de funcionários altamente qualificado, e que faz frente a qualquer banco privado do Brasil." 

​Apesar das declarações de Paulo Guedes, Balistiero acredita que os valores que o ministro vive prometendo arrecadar, na casa de R$ 1 trilhão, parecem muito inflacionados. E, se, por algum acaso, o governo conseguir realizar privatizações neste ano de 2020, os valores obtidos serão ainda mais abaixo do que os esperados, dado o momento de crise. 

"É importante lembrar que há empresas estatais aí que o governo tenta vender há mais de 20 anos. Exemplo é a Eletrobras. E há necessidade de uma negociação com o Congresso", destaca o especialista, argumentando que ter uma base de apoio para barrar um eventual processo de impeachment contra o presidente Bolsonaro não significa que essa base votará com o governo a favor de uma determinada privatização.

O professor defende que, para se considerar um processo de privatização, é preciso ter certeza de que a iniciativa privada poderá ser mais eficiente do que o Estado naquele determinado setor, sem que isso seja usado como uma espécie de "mantra". 

Também ouvido pela Sputnik Brasil, o economista André Nassif, professor do Departamento de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF), afirma que a queda verificada no preço dos ativos ao redor do globo atinge com ainda mais força os chamados países emergentes, como o Brasil. Assim sendo, ele defende que, para se ter uma ideia do real valor de mercado das estatais que o ministro da Economia está querendo negociar, é preciso aguardar o período pós-pandemia.

"Efetivamente, não se tem ideia de quanto ele poderia apurar. Ainda mais agora, porque, com a crise do coronavírus, é notório que o preço dos ativos caiu em todo o mundo e, mais ainda, nos países emergentes."

Para Nassif, "é muito pouco provável" que o Congresso Nacional coloque na agenda o tema da venda de estatais "antes que o surto pandêmico no Brasil esteja sob controle", porque, na prática, não é e nem deve ser uma prioridade nacional e também por conta da queda nos preços dos ativos.

"Agora, se ele [o governo] quer submeter a privatização de algumas empresas à discussão do Congresso, eu acho que isso seria legítimo, não veria nenhum problema." 

​De acordo com o economista da UFF, historicamente, o dinheiro arrecadado com privatizações no país foi utilizado para pagar serviços da dívida, "por conta do descontrole fiscal", quando, idealmente, deveria ter sido aplicado na "modernização e expansão da infraestrutura no Brasil".

Assim como Balistiero, ele considera sem fundamento o argumento de que o setor privado seja essencialmente mais eficiente do que o setor público. Mas, "se tiver algum argumento mais válido, no caso de privatizar algumas empresas no Brasil que não sejam estratégicas para o desenvolvimento econômico nacional", os recursos deveriam ser usados, "prioritariamente, para investimentos públicos em infraestrutura".

"Mas, infelizmente, não parece ser esse o objetivo que o governo atual e a equipe econômica do ministro Paulo Guedes quererão dar aos recursos oriundos das privatizações." 

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