Na quinta-feira (6), o presidente dos EUA, Donald Trump, emitiu ordem executiva banindo transações financeiras norte-americanas com a empresa ByteDance, dona do aplicativo TikTok. A proibição deve entrar em vigor em 45 dias.
Segundo Trump, caso o aplicativo não seja vendido a uma empresa norte-americana, será banido dos EUA, por representar uma "ameaça à segurança nacional".
Sucesso no Brasil durante a quarentena, o aplicativo TikTok já foi baixado mais de 1 bilhão de vezes ao redor do globo, totalizando 175 milhões de downloads somente nos EUA.
"O segredo do TikTok é o seu conteúdo – dinâmico, fácil de consumir e muito interessante, especialmente para crianças e adolescentes", afirmou Jordy Pasa, mestre em Política Chinesa pela Universidade Renmin e editor sênior da plataforma Shumian, à Sputnik Brasil.
Operado pela startup mais valiosa do mundo, a ByteDance, o TikTok adota uma estratégia de mercado baseada na desvinculação de suas raízes chinesas.
"Não é de hoje que a ByteDance, dona do Tiktok, enfrenta desconfianças ao redor do mundo graças à sua origem", apontou.
A partir da "consolidação de um movimento anti-China [...] a política de desvinculação do seu país de origem foi intensificada", disse a mestre pela Fundação Getúlio Vargas e editora da plataforma Shumian, Letícia Tancredi, à Sputnik Brasil.
A empresa tomou medidas como a "contratação de Kevin Mayer, ex-executivo da Disney, para o cargo de CEO do TikTok, e há rumores de que estaria considerando mudar a sede do aplicativo para fora da China continental", detalhou Pasa.
Mas a estratégia não impediu que a empresa virasse alvo da administração Trump. O presidente dos EUA deu algumas semanas para que o TikTok vendesse suas operações nos EUA para uma empresa norte-americana. Ao que tudo indica, a compradora será a Microsoft.
"A ameaça de banir o aplicativo se não houver um acordo de venda com a Microsoft até setembro foi vista com muita suspeita na opinião pública chinesa", conta Tancredi. "A imprensa na China tem classificado a medida como uma tentativa de 'roubo da tecnologia chinesa'."
Para Pasa, a decisão de Trump está "em linha com a postura adotada por Washington nos últimos anos ante Pequim".
"O que me assustou foi o anúncio posterior de que Trump espera que os Estados Unidos recebam uma porcentagem da possível venda do TikTok para uma empresa estadunidense", disse Pasa.
"Não há precedentes na história recente dos EUA para uma exigência como essa e [...] muitos analistas enxergam nela um claro ato de extorsão", apontou Pasa.
Ameaça à segurança nacional?
A administração Trump justifica a medida contra o TikTok, alegando haver risco de que dados dos usuários norte-americanos sejam transferidos para o governo chinês.
Para Pasa, "um debate amplo sobre privacidade e proteção de dados é necessário, mas precisa ser pautado por evidências e não apenas por suspeitas".
Além disso, seria problemático que "empresas chinesas sejam submetidas a tamanho escrutínio [...], enquanto organizações de outras origens – especialmente as ocidentais – permanecem poupadas do mesmo nível de rigor, tanto por parte dos governos quanto por parte do grande público", notou Pasa.
Tancredi lembrou que Trump está em plena campanha eleitoral e quer "atrair uma parcela do eleitorado com sentimento anti-China".
O presidente também reage a um movimento supostamente orquestrado por usuários do aplicativo, que esvaziou seu primeiro comício de campanha, em junho deste ano.
Para ela, a administração Trump também está preocupada com a "influência [do TikTok] no debate público".
Resposta da China
Para Pasa, "uma retaliação" chinesa "é possível" e vai prejudicar o ambiente de negócios para empresas de ambos os países.
"Qual seria a motivação do governo da China em trabalhar para melhorar o acesso de empresas dos EUA ao mercado chinês quando os próprios estadunidenses dificultam as operações das empresas chineses no seu país?", questionou Pasa.
O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Wang Wenbing, alertou que a medida de Washington pode abrir uma "caixa de pandora".
"Essa ação sem precedentes pode abrir margem para que [medidas similares] sejam adotadas contra empresas norte-americanas em outros países", alertou Tancredi.
No entanto, "é importante lembrar que [...] a capacidade chinesa para retaliar não é a mesma dos EUA", que têm uma "economia maior", "superioridade tecnológica" e mais "influência [...] sobre outros países", ponderou Pasa.
Além disso, "boa parte das empresas estadunidenses similares à ByteDance, como o Facebook e o Google, já tem presença muito limitada ou até mesmo inexistente na China, o que também dificultaria uma resposta proporcional por parte de Pequim", lembrou.
Iniciativas contra outras empresas, como a gigante das telecomunicações Huawei, sugerem que Washington está empenhada em uma batalha mais ampla contra companhias de tecnologia chinesas.
"As empresas de tecnologia serão cada vez mais utilizadas em estratégias de contenção na disputa China-EUA", disse Tancredi.
"Os desdobramentos vão ser acompanhados com muita atenção nas próximas semanas por qualquer empresário da área, consultor ou analista de risco", concluiu.
Nesta quinta-feira (7), o presidente dos EUA, Donald Trump, publicou ordem banindo transações financeiras norte-americanas com as empresas chinesas ByteDance e Tencent, operadoras dos aplicativos TikTok e WeChat, respectivamente.
Neste domingo (9), a ByteDance informou que vai processar a administração Trump por acusar a empresa sem provas e não garantir o direito de defesa, disse fonte da companhia à radio norte-americana National Public Radio.