Vacina russa foi desenvolvida para criar imunidade prolongada, diz desenvolvedor

Em entrevista à Sputnik, Denis Logunov, vice-presidente do Centro Gamaleya que desenvolveu a vacina russa contra a COVID-19, fala sobre a imunidade gerada pelo medicamento.
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A vacina Sputnik V foi criada após décadas de desenvolvimento de uma tecnologia que usa adenovírus como vetores.

Contudo, a Sputnik V possui uma singularidade. Ao invés de um adenovírus, o medicamento usa dois, o quinto e o 26°.

"[Se] você olhar para o calendário nacional de vacinas, você vai ver que muitas vacinas são reforçadas. Ou seja, você aplica a vacina uma, duas, três vezes e assim por diante. Por que isso é feito? Para que não somente se forme uma reação imunológica forte, mas para que esta reação seja prolongada, para se formar uma memória imunológica sólida. Isso é uma questão biológica geral. Se não levarmos em conta o aspecto econômico, mas cuidarmos em boa consciência da duração e nível da resposta imunológica, então a estratégia de reforço da imunização, ou seja, o uso de duas ou mais vacinas, é sempre melhor", explicou Logunov, vice-presidente do Centro Nacional de Pesquisa de Epidemiologia e Microbiologia Gamaleya.

Desta forma, realizar tal reforço com diferentes vetores de adenovírus é necessário por uma razão simples: a resposta imunológica, após a aplicação da vacina pela primeira vez, será formada, inclusive, contra o próprio adenovírus.

Caso se use o mesmo vetor durante a segunda imunização, então a resposta antivetorial já formada reduzirá a eficiência da vacina.

"Portanto, basta mudar o vetor portador para outro que a resposta imunológica não reconheça. Desta forma, você conseguirá levar o gene necessário sem ser notado pelo sistema imunológico e criar uma resposta imunológica contra determinado antígeno", afirmou o especialista.

Pensando em primeiro lugar na eficiência e duração da reação imunológica, usar diferentes adenovírus para o reforço da vacina seria a melhor solução.

Vacina com registro temporário

Embora a vacinação com a Sputnik V deva ser iniciada já em setembro, o medicamento recebeu um registro temporário.

Explicando a razão do caráter temporário do registro, Logunov afirmou:

"Por que temos um registro temporário? Para que é que tal mecanismo foi criado? Nós não queremos proteger voluntários saudáveis nos próximos 18 meses. Podemos juntar 40 mil, 50 mil voluntários saudáveis que não pertencem aos grupos de risco. Ou seja, aqueles que com grande probabilidade vão adoecer de forma ligeira ou nem mesmo ficarão doentes. Se o objetivo é proteger essas pessoas, então a crítica de que a vacina deverá ser testada por muito tempo tem fundamento. Mas, se realmente queremos trabalhar com a população comum, entre a qual existem os grupos de risco, ou seja, pessoas que como resultado da infecção se tornarão deficientes ou morrerão, então precisávamos de um mecanismo que nos permitisse disponibilizar a vacina em um prazo razoável, sob restrições e condições muito rigorosas."

O que significa condições rigorosas?

O especialista explicou que cada frasquinho de vacina possui um código QR. Haverá um aplicativo para reunir os dados do uso da vacina em todos os hospitais, assim como para registrar todos os efeitos indesejáveis nos voluntários. 

Cada voluntário que passa pela vacinação poderá relatar sobre seu estado de saúde no aplicativo.

Contudo, a vacinação não será obrigatória, ou seja, a "cada um tomará a decisão de se vacinar ou não".

Terceira fase de testes

Embora ainda não tenha sido determinado o número exato de pessoas que participarão da terceira fase de testes clínicos, Logunov afirma que serão entre 30 mil e 40 mil pessoas.

"Uma das variantes de trabalho pressupõe que duas mil pessoas participem dos testes clínicos para avaliar os parâmetros de imunogenicidade, e outros 28 mil voluntários participem do estudo de vigilância para avaliar a eficiência epidemiológica. No momento atual, estamos finalizando o protocolo para que ele corresponda a todas as normas, inclusive as internacionais."

Enquanto isso, Logunov explica a diferença entre a primeira, segunda e terceira fases de testes e por que a vacina já foi registrada antes da conclusão da terceira fase.

"Nas leis russas não existe o conceito de primeira, segunda ou terceira fases. Isso é uma determinação condicional que se usa na regulação internacional. A primeira fase avalia a segurança, ela é raramente conduzida especificamente só para esse fim. Nela podem participar duas, oito, dez, 15, às vezes 20 pessoas. Quando se trata de testar vacinas, é uma ideia bastante tola testar os voluntários só na questão da segurança e, ao mesmo tempo, não recolher seu sangue e verificar imediatamente sua imunogenicidade", disse.

Por tal razão, frequentemente nas vacinas a primeira fase clássica de testes é conduzida em conjunto com a segunda fase, quando se avalia não só a segurança, mas também a eficiência.

"Nesta etapa conjunta (primeira e segunda fases), são avaliadas a segurança e a imunogenicidade de acordo com os mais diversos parâmetros, indicados pelo órgão regulador e os especialistas. Durante a terceira fase é avaliada a eficiência epidemiológica. Você deve avaliar o quanto o grupo [de vacinados] está mais protegido do que os não vacinados", explicou Logunov.

Porém, antes das fases dos testes clínicos são realizados testes obrigatórios em animais, o que faz parte dos testes pré-clínicos.

A eficiência e a imunogenicidade são avaliadas em diferentes grupos de animais.

"Todos os parâmetros são avaliados obrigatoriamente em um grande grupo de espécies: roedores, lagomorfos e macacos. Isso é tudo o que, propriamente, nós fizemos antes de se decidir dar início aos testes clínicos. Contudo, por exemplo, a Administração de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos [FDA, na sigla em inglês] diz que as tecnologias de plataformas bem testadas podem passar por um procedimento especialmente abreviado de testes pré-clínicos. Não obstante nossa plataforma ser bem estudada, nós conduzimos com sucesso todo um conjunto de testes pré-clínicos em duas espécies de primatas, lagomorfos, ratos, camundongos, porquinhos-da-índia e cricetos. Neste caso, nós não fomos pelo caminho da FDA. Eu não sei se a Johnson&Johnson, a Moderna e a AstraZeneca seguiram por esse caminho", disse.

Terceira fase após registro temporário

Embora o registro do medicamento antes de sua terceira fase de testes possa soar contraditório, Logunov explicou que a vacina não pode receber registro permanente sem antes passar por essa fase.

"A ideia e sentido do registro temporário estão em tornar possível o acesso à vacina aos grupos de risco e proteger as pessoas dos efeitos graves da infecção e da morte. Ao mesmo tempo, a distribuição da vacina à população será feita sob rígido controle e este registro temporário pode ser cessado em qualquer momento", acrescentou.

Uma vez que o objetivo da terceira fase é a avaliação em grande escala da segurança e eficiência do medicamento em um grande número de voluntários sob controle, ela é necessária para obter dados estatísticos de todos os parâmetros dos testes.

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